sábado, 1 de dezembro de 2012

Os tempestuosos mitos de Thor


Atualmente, o personagem Thor tem ganhado espaço nos meios de massa como um herói. Os heróis, frequentemente, são figuras singulares que fazem parte do imaginário de diversas culturas. Quando falamos de heróis na atualidade, invariavelmente estamos nos referindo aos personagens que, de modo geral, são produzidos pelos meios de massa: quadrinhos, vídeo-games e filmes. Porém, neste texto, apresenta-se o aspecto mitológico de Thor, seguido de uma incursão por alguns de seus contos como uma forma de delinear seus contextos filosóficos. 

No passado, na Irlanda, um dos nomes dados aos Vikings era “O Povo de Thor”, devido à coragem e a força deste povo nos campos de batalha. Os Vikings habitavam a Escandinávia em época anterior ao surgimento cristianism, porém, não eram povos primitivos ou bárbaros como muitos acreditam; mesmo que algumas histórias desta gente tenham aspectos um tanto sombrios. Aquele povo não se diferencia em nada dos povos contemporâneos quanto à organização da sociedade. Cornélio Tácito, senador e historiador romano falecido em 120 d.C. revelou que os antigos povos nórdicos tinham uma forma de organização social compatível com aquela que era considerada civilizada. Segundo Michael Howard, pesquisador das raízes históricas dos Vikings, esta organização social era invejada até por alguns romanos. Os Vikings obtiveram sucesso na dominação de inúmeros lugares, como o norte e o sul da Inglaterra, o norte da França e outros. Isto também se deve à eficiente organização social que os Vikings possuíam. Podemos ver algumas semelhanças entre a organização social dos Vikings e a nossa civilização contemporânea ocidental; entretanto, os Vikings não tinham uma visão compartimentada do mundo tal como a nossa. Para eles a dimensão espiritual e a dimensão material da vida não estavam separadas; os mitos e a realidade estavam integrados em um modo orgânico.

O erudito islandês Snorri Sturluson, em sua obra The Golda publicada em 1220 d.C. também escreveu sobre estes povos da Europa setentrional. Sturluson retrata suas divindades como personagens semelhantes aos super-heróis atuais. Não sabemos a que atribuir o ponto de vista de Snorri Sturluson, tão diferente dos pontos de vista existentes em sua época. Um dos possíveis motivos seria que algumas divindades em sua origem podem ter sido homens de carne e osso, que teriam praticado feitos extraordinários em vida e divinizados após a morte. Como exemplo, podemos citar o Deus da poesia, Bragi, que originalmente teria sido um poeta do século IX, chamado Bragi Boddason. Alguns diziam que este poeta teria tido as runas (o alfabeto mágico e sagrado dos povos nórdicos) gravadas na sua língua pelo próprio Odin.
 
Existem diferentes histórias sobre a natureza divina de Odin; em uma história ele já nasce como um ser divino; em outra história, ele é um homem que se torna divino após sacrificar-se, pendurando-se de cabeça para baixo na árvore Yggdrasil com uma espada empalada em seu próprio peito. Um outro exemplo é o do deus Thor. Sobre este deus, há indícios que sugerem ter sido ele um corajoso herói de guerra, tendo se tornado uma figura importante nos contos mitológicos escandinavos. Na cultura nórdica, a mitologia e a vida parecem se misturar resultando em um novo valor para a vida das pessoas, para suas escolhas e para a manifestação dos seus talentos intrínsecos. Nesta cultura, os seres humanos podiam ser transformados em divindades, mas isto não significava um tipo de canonização, nem as pessoas buscavam obsessivamente gravar o seu nome na história. Ter sua própria imagem divinizada não era um projeto de vida em especial; isto acontecia como conseqüência de talentos pessoais demonstrados.

Para os povos da Europa setentrional na época pré-cristã, o estrondo das tempestades estava associado ao deus Thor viajando pelo céu numa carruagem puxada por duas cabras. O medo que os trovões provocava nas pessoas era atenuado pelos contos míticos que ajudavam a organizar e dar sentido ao seu mundo. Segundo o Dicionário de Símbolos, de Jean Chevalier, os povos celtas entendiam os raios como um desequilíbrio das ordens cósmicas, expressado na cólera dos elementos da natureza. Para os povos gauleses, os trovões traziam o medo de que o céu caísse sobre suas cabeças. Os raios e trovões eram muitas vezes entendidos como um tipo de castigo infligido pelos deuses. Neste sentido, os trovões evocavam a responsabilidade humana para aqueles povos. Thor era um deus que representava uma força da natureza, o trovão, mas que também combatia outras ameaçadoras forças da natureza, os gigantes, uma representação do frio daquela região gelada do globo. Podemos supor que Thor foi “criado” pelo povo nórdico como uma forma de proteger a idéia coletiva de sucumbir diante do temor das forças da natureza. Atualmente os humanos não mais vêem Thor, o deus dos raios e dos trovões, nas descargas elétricas das tempestades. Agora nossos “mitos” são científicos; confiamos unicamente no pensamento racional, como se este pudesse nos proteger das ameaças da natureza e até da própria psique humana. Achamo-nos diferentes dos povos do passado, porque desenvolvemos mecanismos mais “seguros” de explicar a natureza, porém acabamos nos afastando da nossa própria natureza. No entanto, mesmo com a tecnologia e ciência tão desenvolvidas atualmente, ainda vivemos sujeitos a diversos tipos de ameaças, sejam abstratas ou concretas. As crises financeiras, o aquecimento global e o medo da violência  são alguns exemplos do que nos apavora.

O surgimento de mitos acontece de modo lento, sinuoso e não-linear devido a uma necessidade dos seres humanos de histórias e imaginação. Também podemos pensar que os seres humanos criam narrativas mitológicas para lidar com o medo e o constante estresse psíquico e de algumas possíveis ameaças da vida cotidiana. Atualmente, muitas pessoas buscam se proteger das ameaças em geral criando enredos de cunho científico, o “novo deus” para os humanos é a ciência. As histórias mitológicas atualizadas nos meios de massa podem servir como uma alternativa aos excessos de racionalização? O excesso de racionalidade pode acabar nos roubando uma certa capacidade de imaginação subjetiva, criando um estado neurótico. Segundo o psicanalista suíço Carl Gustav Jung, a neurose acontece devido a um desenvolvimento unilateral do sujeito (ou da coletividade), em que ocorre uma rejeição de algumas instâncias psíquicas, com ênfase em outros aspectos. Podem os super-heróis modernos nos proteger de uma “neurose coletiva” que enfatiza demais a racionalidade? Seriam os super-heróis atuais “equivalentes” aos antigos deuses?

Na atualidade, muitas pessoas conhecem Thor somente através das histórias em quadrinhos da editora norte-americana Marvel; desconhecendo a origem arcaica deste deus aventureiro da mitologia nórdica. Originalmente, Thor era filho de Odin, o deus dos deuses, e de Iord, a terra. Também conhecido como Donnar, Donar ou Donner, nomes que o relacionam ao trovão, ele representa esta força da natureza. Thor possui uma voz estrondosa e penetrante; de seus olhos saem chispas de fogo. Ele é extremamente forte e comilão (podendo comer um animal de grande porte em uma única refeição). Thor, assim como os povos nórdicos, adorava disputas de poder e era o principal campeão dos deuses contra os inimigos destes, os gigantes do gelo. Sua marca principal é um martelo chamado Mjölnir, feito pelo anão ferreiro Sindri em sua caverna subterrânea. O martelo tinha um defeito, seu cabo era curto demais. Ainda assim, o artefato tinha inúmeras outras vantagens; por exemplo, ele voltava como um bumerangue para as suas mãos. Este martelo dava a Thor inúmeras habilidades de força e destreza e ainda o poder de dominar o trovão. Menos conhecido popularmente era seu cinturão mágico, Megingiord, que duplicava sua enorme força. Thor era casado com Sif, a deusa dos cabelos de ouro, também conhecida como a deusa do trigo e da colheita. Thor é uma divindade que constantemente se envolve em aventuras heróicas e seu papel principal é defender a morada dos deuses, o Asgard. Alguns contos originais o mostravam como uma enorme figura de barba ruiva, de comportamento ligeiramente estúpido. No entanto, alguns historiadores dizem que este deus não deveria ser visto assim. Eles explicam que a aparente estupidez de Thor era uma estratégia contida nas narrativas a fim de revelar no final, de modo inusitado e surpreendente, a sua força descomunal. O jeito tolo deste deus também faz parte dos aspectos cômicos que envolvem a maioria das sagas nórdicas, onde Thor contribui com suas características para os aspectos lúdicos e engraçados das histórias.

Durante sua infância, Thor foi impedido de viver com outros deuses no Asgard, por causa dos seus freqüentes acessos de ira, os quais perduraram até sua juventude. A grande força de Thor, combinada com seu temperamento tempestuoso, representava uma ameaça a todos. Por este motivo, Thor ficou sob os cuidados de Vingnir e Hlora, os guardiões do relâmpago, até se tornar apto a lidar com suas emoções intempestivas. Quando finalmente Thor pode ir morar com os outros deuses em Asgard, ele recebe como morada o palácio Bilskinir, o maior do Valhalla. Este palácio era a morada final para as pessoas humildes após a sua morte. Era uma imensa construção que tinha 540 salas, podia alojar muitas pessoas, assegurando felicidade eterna para elas como uma forma de compensação a tudo o que elas tinham padecido na Terra. Muitas pessoas apreciavam a honestidade de Thor, seu jeito simplório e seu ímpeto de combater aquilo que ameaçava as pessoas. Por este motivo, ele era muito venerado e cultuado, até mais que Odin, o deus dos deuses.

Cada um dos deuses tinha um grande inimigo que o desafiaria na batalha final, conhecida como Ragnarok. O maior desafio na vida de Thor era combater os gigantes e a Grande Serpente do Caos; esta última vivia no oceano que rodeava Midgard, a Terra. Esta serpente é a representação dos instintos e da impulsividade natural do ser humano, como a afetividade e a agressividade. Estas emoções ainda estavam indiferenciadas e caóticas nas emoções de Thor. Por isso, este personagem apresenta dois aspectos marcantes em sua personalidade: obstinação e teimosia, em proporções descomunais. Por causa destes aspectos ainda latentes em Thor, ele foi o único deus que nunca teve permissão de entrar no Asgard passando por Bifrost, a ponte do arco-íris que ligava o domínio dos deuses e a Terra. Ainda que a ponte fosse feita de um fogo flamejante que afastava os gigantes gelados, temia-se que Thor pudesse involuntariamente destruir esta ponte com suas passadas, por causa dos raios e trovões que ele provocava ao caminhar; representação de sua ira e emoções sempre à flor da pele. Assim, devido ao medo que os outros tinham do efeito provocado por seu caminhar, Thor precisava fazer percursos maiores para alcançar a morada dos deuses e a árvore Yggdrasil, onde os deuses se reuniam diariamente.

As características de intempestividade do deus Thor podem ser comparadas aos fenômenos do inconsciente que irrompem na consciência sob a forma de explosões emocionais. Metaforicamente, podemos associar as histórias de Thor com alguns aspectos psíquicos, como a inflação do ego. Para a área da psicologia analítica, este fenômeno representa um estado em que o indivíduo tem um sentimento irreal e desproporcional sobre si mesmo. Isto equivale a um excesso de conteúdos inconscientes que fazem com que o ego perca a sua faculdade de discriminação. Refletir sobre estas características de Thor pode servir para lidarmos melhor com os aspectos presentes em nossa personalidade e mesmo em nossa sociedade. Thor precisa lidar criativamente com sua personalidade intempestiva, e suas aventuras acabam servindo para exprimir e dar sentido à sua intensa energia. Neste sentido, as histórias de Thor se diferenciam das de Hércules, deus da mitologia grega que precisa cumprir doze tarefas tidas como impossíveis para conseguir eliminar a sua tendência à ira. Segundo a mitologia grega, certa vez Hércules foi tomado pela ira, e acabou matando as pessoas que mais amava no mundo: sua esposa e seu filho. Na mitologia Nórdica, Thor não tinha tarefas a cumprir e nunca matou quem amava; a sua intensidade emocional era usada em suas aventuras, protegendo o Asgard e lutando contra os gigantes. Thor era filho de Iord, a deusa Mãe-Terra, o que dava à sua personalidade uma ênfase na corporalidade. Ele era o deus protetor da colheita e também acolhia em seu palácio os humanos que haviam sofrido durante sua vida na terra; isto revela um aspecto doce e acolhedor de Thor. De seu pai, Odin, ele herdou qualidade da determinação, isto o ajudava a vencer as dificuldades, até mesmo seus próprios pontos fracos.

As aventuras de Thor para proteger o Asgard e os seus deuses fazem com que ele tenha que entrar em contacto com aspectos que se opõem à sua personalidade forte, máscula e segura. Por exemplo, em um dos episódios lendários da mitologia nórdica, Thor é convencido a se disfarçar em uma deusa e fingir casar-se com um gigante, seu maior inimigo. Isso ocorrey porque Mjölnir, o martelo de Thor, estava em poder deste gigante que queria, em troca do artefato, casar-se com Freyja, a deusa mais bela do Asgard. Nesta história, Thor relutantemente entra em contato com seu aspecto feminino. A única maneira que os deuses encontraram para evitar a perda do martelo e da deusa Freija foi fazer com que ele se vestisse de mulher. Mesmo vestido como uma mulher e usando um véu que escondia sua barba ruiva, Thor não convenceu ninguém sobre sua feminilidade; até mesmo o gigante com quem ele fingiria casar-se desconfiou das maneiras grosseiras da “deusa”. Thor não conseguiu disfarçar sua fome insaciável e sede descomunal e as chispas que saiam de seus olhos. Apenas o deus Loki, especialista em truques e artimanhas, conseguiu ludibriar o gigante e convencê-lo de que Thor realmente era a deusa Freyja. Loki disse ao gigante desconfiado que Freyja estava muito ansiosa para casar-se com o gigante e por isto há tempos não comia, dormia ou bebia. O gigante acreditou em Loki e graças a isso, o gigante foi eliminado por Thor, Freyja continuou em Asgard e o martelo foi recuperado.

Os mitos são criados como resultado do ímpeto criador dos seres humanos, eles estão intimamente relacionados com a capacidade de produzir idéias imaginativas dos seres humanos. Podemos estudar mais profundamente alguns aspectos do mito de Thor, tendo o cuidado de não reduzir as possibilidades de interpretações. Na mitologia, o Martelo de Thor foi criado pelo anão ferreiro, Sindri. Os contos nórdicos espelham o imaginário daquele povo que acreditava que as cavernas eram locais onde podiam ser encontrados materiais valiosos como ouro e pedras preciosas, dentre outros. Se observarmos este aspecto em particular do mito através do prisma da psicologia, as cavernas em geral representam o inconsciente dos seres humanos: um local escuro, de difícil acesso contendo riquezas em potencial. O martelo Mjölnir é feito de um mineral semelhante a uma pedra, com um aspecto metálico; este mineral torna o martelo extremamente pesado e só Thor consegue manuseá-lo, graças à sua força gigantesca. Ao forjar o Mjölnir, o anão Sindri transformou um material em estado bruto em uma obra de arte e um elemento útil ao deus. Assim, o martelo de Thor pode ser entendido como um símbolo de um modo criativo de se lidar com o material inconsciente da imaginação. Mjölnir pode ser considerado uma representação de aspectos potenciais antes inconscientes, que depois de conscientizados e trabalhados, tornam-se algo de bom valor. O martelo tornou-se a principal marca de Thor, possibilitando que este deus possa cumprir sua meta; proteger o Asgard dos gigantes do frio. As forças do inconsciente, quando utilizadas de forma criativa, contrapõem-se às tendências psíquicas humanas de autodestruição. Histórias míticas, em geral, produzem em quem as ouve ou lê efeitos específicos, particulares para cada pessoa, e difíceis de serem medidos e avaliados. Elas também satisfazem uma necessidade humana de fantasia e de produção de caminhos próprios. O ser humano tem a necessidade de descobrir caminhos que o ajudem a melhor se expressar no mundo de forma singular; a mitologia pode funcionar como um guia para ampliação de tais possibilidades.

O psicólogo Erich Neumann estudou a importância das sagas míticas universais e da função dos deuses na vida das pessoas. Para este pesquisador, a consciência humana se desenvolve por meio de desafios representados pelas histórias vividas pelos heróis míticos das diversas culturas humanas. A consciência humana, individual e coletiva, utiliza-se dos contos de heróis como modelos para vivenciar um percurso emocional interno. Segundo este autor, para que um indivíduo adquira uma identidade pessoal e uma consciência mais abrangente, ele precisa travar lutas internas. Estas batalhas podem ser associadas com aquelas dos contos míticos de heróis. Os contos de fadas e imagens de heróis, nesta ótica, são fundamentais para que se ampliem as possibilidades emocionais e psíquicas dos seres humanos. 

A escritora escocesa Fiona MacLeod afirma que “Os Velhos Deuses não estão mortos – nós, sim”. É provável que esta morte mencionada por ela seja uma referência à cisão entre os mitos e o cotidiano, o corpo e o espírito. Os escritos de Espinosa, filósofo do séc XVII, naturalizam a conexão da mente com o corpo. Para ele, a nossa vida emocional provém de uma estreita cumplicidade entre a mente e corpo físico. Espinosa afirma que é importante haver um esforço mental e corporal para imaginar e agir de modo a fortalecer o que ele chama de “potências corporais”, pois estas se refletem na mente e vive-versa. Para ele, devemos imaginar modos de lutar contra as “imagens adversas” – representadas na mitologia escandinava pelos gigantes gelados – pois estas nos tornam passivos. Espinosa acredita no aperfeiçoamento das emoções para que elas não nos dominem, como no mito de Hércules. Para este filósofo, a nossa essência humana é o esforço com o qual procuramos persistir em nosso próprio ser, unificando mente e corpo. As aventuras de Thor podem ser um fio condutor que fala destes aspectos conectivos. Nosso herói sempre empreende um enorme esforço para lidar com seus aspectos intempestivos. O mito de Thor traz ensinamentos de vitalidade para o mundo contemporâneo, uma cisão naturalizada no sistema social. As aventuras deste deus nos levam a perceber inúmeras formas de expressar a intensidade emocional criativamente. Em um esforço próprio, cada pessoa deve tentar unir corpo e mente. Aprender um modo particular e singular de lidar consigo mesmo e de se expressar no mundo.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Odin e os seus Corvos

Odin com seus corvos Huginn e Muninn

A chamada tradição oral é a preservação de histórias, lendas, usos e costumes através da fala. Origina-se do primórdio da história humana, quando ainda não havia a escrita e os materiais que pudessem manter e circular os registros históricos. Na atualidade própria das classes iletradas, a tradição oral tem sido, contudo, muito valorizada pelos eruditos que se dedicam ao seu estudo e compilação (as baladas da Edda Poética, por exemplo), ao considerarem que é na tradição oral que se fundamenta a identidade cultural mais profunda de um povo. Supõe-se, por exemplo, que a Ilíada e a Odisseia de Homero foram inicialmente, assim como as Eddas, longos poemas recitados de memória.
 
Joseph Campbell gostava de dizer que “o mito é algo que nunca existiu, mas que existe sempre”. Esse aparente paradoxo pode ser reconciliado se entendermos a tradição oral, mãe da mitologia, como a melhor forma com a qual o espírito humano pôde passar adiante suas experiências no contato com a essência das coisas, com o que há de eterno no mundo. Dessa forma, todas as variantes de um mesmo mito são, no fundo, uma mesma história. E toda mitologia é, no fundo, uma mesma mitologia, uma mitologia do espírito humano.
 
Mas hoje não vivemos mais em tribos e aldeias, e nem todos necessitam decorar tais histórias antigas. Além disso, não são os xamãs nem os anciãos quem nos passam os mitos, mas alguns poucos textos sagrados de outrora, que até hoje inspiram inúmeras variações na mente dos contadores de histórias modernos – a quem conhecemos, principalmente, como artistas. Existem mitos sendo recontados em todos os cantos: nos livros de vampiros adolescentes, nos filmes de Hollywood, nas séries de TV de fantasia, e até mesmo num gibi.
 
O deus que usarei como exemplo de referência neste artigo é hoje um conhecido personagem de histórias em quadrinhos da Marvel. Se você já leu algum gibi, ou viu algum filme recente, de seu filho, certamente o conhece: Odin (ou Wotan, ou Wôdan, variantes hoje menos conhecidas, mas que vieram do original germânico), é o Senhor de Asgard e pai de Thor, o heroico deus do trovão. Você pode achar que não há nada de muito profundo a se falar sobre um velho deus-herói-caçador aposentado que hoje se limita a governar uma cidade mítica, e talvez tivesse razão se considerarmos apenas a forma extremamente diluída deste mito que nos chegou aos dias atuais como um mero personagem de quadrinhos... Mas, não que eu esteja condenando Stan Lee e Jack Kirby, pelo contrário: apesar de terem “diluído” o mito, eles fizeram por ele bem mais do que o cristianismo, que por muitos séculos demonizou o grande deus dos povos nórdicos europeus, a fim de substituí-lo por sua versão bíblica.
 
Mas, o que exatamente eu quero dizer pelo mito de Odin, será que me refiro a uma entidade sobrenatural real? Bem, com todo o respeito à Fraternidade de Odin (uma sociedade secreta neopagã que até os dias atuais celebra os ritos antigos relacionados à Odin e a outros elementos da mitologia nórdica que defendem a teoria de que Odin não é um arquétipo psicológico ou uma metáfora para referência as forças naturais, mas sim uma entidade real). Eles também são “politeístas a fundo”, e ao contrário de outros politeístas que na realidade compreendem aos deuses como emanações de um único Deus Primordial), não é exatamente isso que quero dizer... É óbvio que não existe, na natureza terrestre pelo menos, um homem caolho a cavalgar os céus montado num cavalo de oito patas; mas, por outro lado, a iconografia de Odin é toda ela um imenso conjunto de símbolos, símbolos estes que existem e sempre existirão, ao menos enquanto existirem mentes com vontade de pensar sobre eles.
 
Os símbolos nada mais são do que imensas quantidades de informação reduzidas a uma única imagem ou história fantástica ou ícone que funcionam como uma chave mental para o acesso dessas informações e sensações, desde que a pessoa saiba, em seu pensamento, como usar esta chave de uma forma consciente. Você pode perfeitamente substituir a imagem (o símbolo) de Odin por uma série de palavras (formadas por conjuntos de símbolos – as letras do alfabeto) a formar uma extensa lista: sabedoria, fúria, excitação, guerra, caçada, mente, magia, poesia, escrita rúnica, etc. É claro que, dependendo da interpretação de cada pessoa, e de cada tradição folclórica, essa lista pode variar imensamente, mas não absolutamente. Odin é um conjunto de símbolos, ele serve para que acessemos tais ideias em nosso pensamento, sentimento e intuição, de forma simplificada e cada vez mais potente (o hábito faz o monge).
 
O grande problema do “uso dos mitos” é quando os entendemos como seres literais (e não metáforas), dispostos a barganhar conosco em troca de “favores espirituais”, “boa sorte”, “boa saúde”, etc. Isso é um problema porque, exatamente, a grande vantagem dos mitos é poder ativar a nossa vontade para que nós mesmos busquemos tais objetivos, que nós mesmos nos tornemos heróis a vivenciar a grande aventura da vida, que nós mesmos nos tornemos, enfim, deuses (“sois deuses, farão tudo o que faço e ainda muito mais” – disse o grande rabi da Galiléia).
 
Mas, retornando a Odin: é verdade que o que sabemos hoje sobre o seu mito é extensivamente baseado na Edda Poética, um grandioso conjunto de poemas vindos diretamente dos mitos dos povos nórdicos antigos da Europa, e que foi preservado no Codex Regius (“Livro Real”), um códice islandês que provavelmente foi escrito em cerca de 1270 d.C., mas que só se tornou “conhecido na modernidade” quando um bispo o encontrou na Islândia e o enviou como presente ao então rei da Dinamarca, em 1662. A Edda então permaneceu na Biblioteca Real de Copenhagen até 1971, quando foi escoltada por militares por terra e mar (um acidente aéreo poderia a danificar permanentemente), de volta a capital da Islândia, Reykjavík. Lá ela permanece até hoje, como uma legítima relíquia que guardou praticamente sozinha aos séculos da cultura de um povo, e impediu que seus mitos de diluíssem até não mais existirem.
 
O que os versos da Edda nos trazem, entretanto, são baladas e cânticos bardos de épocas ainda muito mais remotas... Diz-se que Odin já era conhecido desde os primórdios da língua protogermânica, que durou de 500 a.C. há 500 d.C., e que formou a base de diversos idiomas atuais, como o inglês, o escocês, o alemão, o dinamarquês, o norueguês e o islandês, dentre outras. De fato, Odin é tido como o grande responsável por trazer aos homens o conhecimento das runas, a base da escrita germânica antiga, do mundo espiritual (falaremos mais sobre isso na sequência). Ora, como as runas mais antigas encontradas datam dos séculos I e II d.C., podemos dizer que o mito de Odin era tão antigo quanto elas... Mas, talvez seja ainda muito mais antigo do que isso. Porém, como teremos certeza?

Certeza nós jamais teremos, pois a história não é somente uma mera reconstrução moderna dos tempos de outrora: mas uma reconstrução criada primordialmente pelos povos e países vencedores das guerras e dos embates dentre crenças religiosas... O Odin que conhecemos hoje é um Odin sobrevivente aos séculos de domínio romano e cristão, e é mesmo quase um milagre que ele tenha sobrevivido. Apesar das extensivas campanhas de demonização feitas pelos ditos cristãos, o mito mostrou-se persistente: Odin ainda cavalga pelos céus, pelas películas de cinema e pelas histórias em quadrinhos.
 
Dito isso, é preciso deixar claro que a própria natureza do mito é a de se transformar continuamente, preservando-se apenas sua essência, aquilo que está fora do tempo, e sobrevive exatamente por nos tocar a alma, por ser eterno... Portanto, e interpretação que mais conta é a atual; e, além disso: é a nossa interpretação. Porque os mitos que nos são despejados como dogmas pré-estabelecidos por pretensas figuras de autoridade não são muito mais do que propaganda enganosa. O que nos importa, o que sempre importou, é identificar a essência, a verdade guardada em inúmeras metáforas, percebida sabe-se lá por qual ancestral selvagem em meio ao inverno europeu, e que, espantosamente, ainda está aqui, ainda nos toca a alma, ainda é capaz de nos elevar a estados de consciência que nem sabíamos que existiam.
 
O que falarei a seguir, portanto, é da minha interpretação do mito de Odin. Baseada num estudo das inúmeras histórias que ainda se contam dele, é claro; mas, não obstante, minha interpretação. Sinta-se a vontade para questioná-la, interpretá-la, vivenciá-la, pois é isso o que os mitos nos pedem...
 
Um dos problemas em tentar se interpretar um mito tão antigo como Odin nos dias atuais é a questão de, obviamente, os dias atuais pouco ou quase nada terem a ver com os dias em que os nórdicos cantavam poemas sobre seu Deus no inverno europeu. Isso também nos leva a uma outra questão, mais profunda, que é a antropomorfização do Deus: ora, fica óbvio que o Odin-homem, filho de Bor, não pode ser o Deus do qual tudo emanou, visto que ele mesmo é filho de ainda outro deus. Mas, pelo que sabemos, Bor é citado diretamente apenas uma única vez em toda a Edda Poética, e não há registro algum de culto a este deus (em qualquer época), de modo que mesmo o fato de Odin ter um pai pode fazer parte dessa transformação do Deus em um homem divino, um deus antropomorfizado em um avatar.
 
Pelo menos neste aspecto continuamos no mesmo barco dos ancestrais europeus: temos uma dificuldade muito parecida em nos referir a Deus sem “esbarrar” em antropomorfizações do tipo. Mas isto, longe de ser um problema para o entendimento da mitologia, é na verdade um ponto de encontro entre a modernidade e a antiguidade. É claro que boa parte da simbologia que foi atribuída ao mito de Odin ao longo dos séculos teve muito a ver com o estilo de vida e as ideias, os anseios e os medos, do povo nórdico... É exatamente quando retiram Deus de seu aspecto incognoscível (ao menos para a grande maioria de nós) e os “trazem para baixo”, para nossa realidade humana, é que encontram inspiração para relatar sua realidade em inúmeras histórias fantásticas, baladas poéticas, salpicadas por panteões de deuses e um imenso conjunto de seres mitológicos, simbólicos. E, exatamente por tais histórias terem essas camadas superficiais de simples entendimento, tornou-se possível que chegassem, boca através de boca, mente através de mente, até os nossos dias atuais.
 
Isso não significa que não tenham muitos elementos ocultos, eternos, escondidos nas camadas mais profundas de sua narrativa. A questão é: e quem terá a lamparina para iluminar tais locais ocultos e descobrir toda a profundidade do mito? Quem, a não ser você? Quem, a não ser todo aquele que busca compreender a mitologia humana, a nossa história mais profunda, com a mente realmente aberta e arejada?
 
Estas são algumas das histórias mais profundas acerca de Odin... Acendam as lamparinas:
 

O Deus Errante

Talvez a mais antiga forma de representação de Odin seja a do deus errante, a vagar pelo mundo dos homens sem um destino exato, carregando um cajado (ou sua lança usual, mas utilizada como cajado), e vestindo um disfarce de nômade (sem elmos, armaduras, nem nada do tipo). Diz-se também que esta versão do deus tinha características xamânicas, que foram preservadas nas versões posteriores, mas que nesta fase eram mais “aguçadas”... Ora, se formos analisar toda a mitologia, há inúmeros casos de deuses errantes, particularmente entre os africanos, os indígenas das Américas e os xintoístas – o que essa ideia nos conecta, historicamente, é com o período pré-histórico em que fomos caçadores-coletores, e não sabíamos nada de agricultura.

Um deus errante não pode, no entanto, ser o patrono de um panteão de deuses, muito menos o governador de um reino como Asgard. Na época dos caçadores-coletores, não fazia muito sentido imaginar uma hierarquia divina, assim como não fazia muito sentido imaginar uma hierarquia entre as tribos humanas – simplesmente existiam inúmeras tribos, umas amigáveis e outras não, e inúmeros deuses ou espíritos errantes da natureza, uns amigáveis e outros não. Antes da civilização, a espiritualidade era horizontal, não vertical.

Com o surgimento da agricultura, das primeiras civilizações, e da ideia de hierarquia, o mito do deus errante aos poucos foi se transformando no mito do Deus-Pai, o Grande Xamã: não apenas de uma tribo, mas de centenas ou milhares de tribos. Odin era então o deus de todos os povos nórdicos, que agora viviam em vilas e cidades, embora ainda caçassem e guerreassem uns com os outros e, sobretudo, com os povos do sul da Europa.

Talvez por isso, apesar de Senhor de Asgard, Odin nunca tenha deixado de ser também o deus caçador, o deus errante... Você pode achar que o Odin errante jamais exerceu qualquer impacto sobre você, mas isso pode não ser verdade, principalmente se você, como eu, já leu e se maravilhou com os livros do britânico J. R. R. Tolkien – O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Ora, ocorre que Tolkien era um grande fã da Edda Poética e, como tal, introduziu em sua Terra Média inúmeros mitos dela. Um deles era exatamente o mago Gandalf, que é totalmente inspirado pelo aspecto errante de Odin, até mesmo na aparência.
 
 
Sleipnir

Diz-se que Odin era muitas vezes visto cavalgando pelos ares em seu cavalo de oito patas (mas nenhuma asa), chamado Sleipnir. Esta é mais uma parte do mito que está claramente associada ao xamanismo. Um cavalo de oito patas já pode ser associado aos transes xamânicos, quando supõe-se que, em estados alterados de consciência, provocados por rituais específicos ou mesmo pela ingestão de plantas e/ou cogumelos alucinógenos, os xamãs antigos (assim como os modernos) tinham visões de animais se metamorfoseando em outros animais, ou adquirindo membros extras, dentre outras alucinações do tipo.

Porém, além disso, Sleipnir era um cavalo voador, o que se trata de uma clara menção as “viagens” em transes xamânicos, assim como uma conexão do mundo terreno com o mundo espiritual, celeste. Esta conexão é reforçada pelo fato de Sleipnir ser também capaz de levar seu cavaleiro até o submundo (o mundos dos mortos), e o trazer de volta são e salvo.

Histórias bem mais recentes, medievais, contam que nos dias próximos ao solstício de inverno, as crianças nórdicas deixavam suas botas com cenouras, feno e açúcar, próximas as chaminés das casas, para que Sleipnir viesse e as comesse. Odin costumava recompensar tais crianças com pequenos brinquedos e doces, que no outro dia eram encontrados dentro das botas. Ora, nem preciso dizer o que isso nos lembra nos dias atuais, não é mesmo? Odin é realmente conhecido por diversos nomes.

 
Geri e Freki

Odin também era acompanhado por dois lobos ferozes, Geri e Freki. Ambos os nomes significam algo como “guloso”, ou até “vorazmente guloso”. Os lobos de Odin eram conhecidos por comerem bastante, realmente: isto, pois Odin sobrevivia apenas de vinho, e mesmo nas festas em seu salão real, deixava toda a carne ou qualquer outro tipo de alimento sólido para que sues lobos devorassem.

Ironicamente, encontramos uma clara referência ao ascetismo espiritual dentre um mito nórdico. Odin era o Grande Xamã e, como tal, a ele apenas o vinho sagrado era necessário – tudo o que precisava para estabelecer seu poder sobrenatural, que provavelmente tinha muito a ver com as visões experimentadas em transes xamânicos. Essa ideia aparentemente estranha é reforçada pelo fato de outras tantas histórias afirmarem que o vinho de Odin é um poderoso catalisador da criatividade poética, e os poucos bardos que um dia tiveram a grande sorte de provar de seu sabor, compunham a seguir as mais belas e profundas baladas de que se tem notícia. Quem sabe, talvez mesmo os Eddas sejam fruto desta divina bebedeira!
 
 
A Fonte da Sabedoria
 
Ainda abaixo de uma das gigantescas raízes de Yggdrasil, a árvore cósmica a sustentar todos os reinos míticos da mitologia nórdica, se encontra uma nascente d’água muito especial: Mímisbrunnr. É neste pequeno lago que vivia o Mímir, um reconhecido sábio (seu nome significa algo como “o sábio”, ou ainda “aquele que se lembra”). Odin ficou sabendo da existência desta fonte, que se acreditava dar “a sabedoria de todas as eras” aqueles que a bebiam regularmente (daí a sabedoria do próprio Mímir, seu guardião). Ora, como Odin era um deus que buscava a sabedoria, ele a visitava regularmente para beber um pouco de sua água, assim também ficando amigo de seu protetor.

O que ficou mais conhecido desta história, entretanto, foi o fato de Odin ter arrancado um de seus olhos (não se sabe qual ao certo) e o mergulhado no lago, onde jaz até hoje, oculto no lodo, onde talvez só ele e o Mímir saibam localizar. Diz-se que Odin realizou tal sacrifício em troca da sabedoria do Mímir, mas obviamente algo aqui não faz sentido: se Odin já conhecia a localização do poço, se já era amigo do Mímir, qual seria a necessidade de sacrificar um olho em troca de sabedoria (da qual ele já dispunha gratuitamente)?

Este me parece mais um mito cuja interpretação exige que usemos os olhos da alma, e não do corpo. Para mim, está muito clara a metáfora de “se ter um olho no mundo espiritual, e um olho no mundo terreno”. Ora, por mais que Odin pudesse galopar os céus em seu corcel de oito patas, ele aparentemente não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, ou pelo menos não podia estar no plano terreno e no plano espiritual ao mesmo tempo. Esta bela história nos aponta, portanto, para um fato bastante conhecido do caminho espiritual, e até mesmo da própria prática da magia ou da mediunidade: abre-se um olho lá, fecha-se um olho cá. Mas, querer fazer ambas as coisas ao mesmo tempo pode nos levar a loucura, a não ser, talvez, que sejamos também da raça dos deuses.
 
 
A Cabeça Perdida e Encontrada

Infelizmente o destino do Mímir não foi dos mais agradáveis. Na apocalíptica guerra entre os vanir e os æsir, o Mímir teve sua cabeça cortada por um guerreiro vanir. Ora, os vanir eram um povo relativamente pacífico e místico, que cultuava deuses da fertilidade e da sabedoria, e também se dizia que muitos eram capazes de ver o futuro. Eles já habitavam o norte europeu, mas foram invadidos pelos æsir (ou “meio-deuses”), um conglomerado de tribos guerreiras e expansionistas, que vinham da Ásia e do sul europeu em busca de novos territórios. Como o Mímir, juntamente com Odin, pertencia aos æsir, foram deles a iniciativa do ataque.

Os vanir eventualmente foram conquistados e tornaram-se um subgrupo dos æsir, até que as eras se passassem e todos fossem confundidos com um só povo: o povo nórdico...

Mas, voltando a grande batalha: Odin, não se dando por rogado, encontrou a cabeça perdida do Mímir após o final da chacina e, com sua magia, manteve seu amigo vivo como uma peculiar (e, provavelmente, assustadora) cabeça falante que ele carrega consigo para onde quer que vá – pois o Mímir ainda é um grande e sábio conselheiro.
 
Esta épica batalha, que poderia ser lamentada como um fato trágico, na realidade é festejada como o alvorecer da civilização – de qualquer civilização, pois todas começaram assim, e todas tem mitos muito próximos –, quando tribos sedentárias e pacíficas, que já dominavam a agricultura, são invadidas e quase dizimadas por tribos nômades guerreiras. Mas, no fim, tudo se ajusta: a cultura das tribos nativas, geralmente mais profunda e espiritual (por se tratar de gente “que tinha tempo de viver, e não apenas caçar e coletar”), é assimilada aos poucos pela cultura invasora, e com o passar dos séculos é como se todas fossem uma só cultura – e, de fato, já o são.

O próprio fato de Odin ainda hoje ser visto como um deus de sabedoria e magia, e não apenas um grande guerreiro, demonstra que talvez, no fim, a cultura dos vanir tenha se sobressaído à cultura dos æsir, e isso talvez indique que ainda podemos ter a esperança de uma volta a este antigo mundo pacífico: onde a fertilidade é mais exaltada do que a ferocidade.
 
Mas, e quanto à cabeça decepada e falante do Mímir, o que diabos isso significa? Olha, não vou dizer que sei o que isso significa, mas este mito me remete pelo menos a duas considerações: a primeira, é que os nórdicos já sabiam valorizar a importância da cabeça em relação ao corpo, o que a neurociência apenas confirmou; a segunda, é que eles tinham algum senso de humor.
 
 
O Deus Enforcado

Como já disse no início, Odin também é reverenciado por ter trazido ao conhecimento dos homens as runas, que nada mais eram do que o primeiro alfabeto do povo nórdico, o que possibilitou a origem da escrita entre eles. O que eu não mencionei é o quão estranha é, a primeira vista, a história que nos conta como Odin obteve tal conhecimento.

Diz-se que ele, desejando adentrar reinos ocultos do mundo espiritual, enforcou-se na própria árvore cósmica, Yggdrasil, por nove dias e nove noites (nove também são os reinos míticos da mitologia nórdica em geral), enquanto era estocado por sua própria lança (não está claro quem o “auxiliava” neste ritual, talvez fosse ainda o Mímir quando tinha o corpo inteiro). Ao final de todo esse sacrifício, Odin acordou (se é que ele morreu no processo, entende-se que após os nove dias ele ressuscitou) e trouxe consigo a memória do conhecimento da escrita rúnica.

Ora, sabe-se que todos os deuses inventores da escrita foram grandes, ou ainda são: pois foi exatamente a escrita que possibilitou que o conhecimento sobre eles fosse preservado de forma mais exata (o que não necessariamente é algo sempre bom). No Egito antigo sabe-se que tal tarefa coube ao deus Thoth. Posteriormente, na Grécia, existiu também Hermes, que partilhava de tantas características em conjunto com Thoth, que muitas vezes faziam referência a ambos os deuses sob o título de Toth-Hermes. Entre os romanos, Hermes foi conhecido como o deus Mercúrio e, de fato, muitos historiadores acreditam que os romanos também confundiam Mercúrio com o próprio Odin, quando se referiam aos povos nórdicos – assim, o ciclo se fecha.

Mas, o que me interessa aqui é que todos os deuses inventores da escrita também eram reconhecidos como grandes intermediários entre o mundo dos homens e o mundo dos deuses, ou seja: eram médiuns, ou xamãs.

E é exatamente daí que parte a compreensão do que diabos Odin foi tentar fazer ao se enforcar numa árvore cósmica: ora, é claro que se trata de ainda mais uma metáfora. A árvore Yggdrasil sustenta todo o Cosmos e, dessa forma, o ato de “enforcar-se” nela nada mais é do que o ato de “perder a consciência deste mundo, e viajar com ela alhures”. Além desta referência mais clara ao xamanismo (ou a viagem astral) há ainda a questão das “estocadas de lança”: uma imagem muito comum na arte das cavernas, a arte rupestre, de nossa pré-história longínqua, e que também está intimamente relacionada às práticas xamãnicas.
 
O ato simbólico de se cortar, espetar, estocar com lanças, ou até mesmo destroçar o próprio corpo, significa, para o xamã, o abandono total do apego ao corpo, para que ele possa se elevar mais facilmente, e mais profundamente, aos reinos etéreos de sua própria alma, ou da Alma do Mundo, ou de Yggdrasil. Estes sacrifícios foram necessários para que os xamãs, os grandes heróis míticos de outrora, pudessem nos trazer conhecimentos ocultos, que podiam variar desde “onde caçar amanhã”, a “quais plantas e ervas coletar para fabricar este ou aquele remédio”, a até mesmo a própria inspiração divina para algo totalmente novo, como a escrita rúnica.


Huginn e Muninn
 
Bran estava caindo mais depressa do que nunca. As névoas cinzentas uivavam em seu redor enquanto mergulhava para a terra, embaixo. “O que você está me fazendo?” – [Bran] perguntou ao corvo, choroso. Estou lhe ensinando a voar.
“Não posso voar!”. Está voando agora mesmo. “Estou caindo!”. Todos os voos começam com uma queda, disse o corvo. Olhe para baixo. “Tenho medo...” OLHE PARA BAIXO!
Bran olhou para baixo e sentiu as entranhas se transformarem em água. O chão corria agora em sua direção. O mundo inteiro espalhava-se por baixo dele, uma tapeçaria de brancos, marrons e verdes. Via tudo com tanta clareza que, por um momento, se esqueceu de ter medo. Conseguia ver todo o reino e toda a gente que nele havia.
[...] Agora você sabe, sussurrou o corvo ao pousar em seu ombro. Agora você sabe por que deve viver.


(Trechos das páginas 120 e 121 de A Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin. Publicado no Brasil pela Editora Leya).

Dentre as inúmeras e intrincadas histórias contadas por George R. R. Martin em seu épico As Crônicas de Gelo e Fogo, a aventura de Bran, o menino aleijado que, não obstante, parece destinado a se tornar um grande xamã, está certamente entre as de maior importância para a trama geral. Ora, a imagem da própria família de Bran, os Stark de Winterfell, já nos remete a elementos nórdicos, mas será que Martin estudou apenas as descrições de experiências xamãnicas, ou ainda neste caso podemos falar em alguma influência do mito de Odin?
 
Ora, como eu já havia dito, Odin é também um deus de muitos nomes, e muitas facetas. Boa parte das mais de 200 denominações a Odin estão ligadas, pela raiz (no nórdico arcaico), às palavras vada e od, e, no antigo alto alemão, a Watan e Wuot, que significavam a princípio razão, memória ou sabedoria. Há ainda a palavra Óðr (também do nórdico arcaico) que está mais diretamente associada à deusa Freyja (uma deusa dos vanir, que posteriormente foi associada à Odin como sua esposa), mas que também deu origem ao próprio nome “Odin”, e que poderia significar: mente, alma, espírito, além de poesia e inspiração artística.
 
O nome de Odin que mais nos interessa, no entanto, para esta associação com o corvo de três olhos dos livros de Martin, é o que deriva do nórdico arcaico Hrafnáss, ou do germânico latinizado Hrafnagud, ou seja: The Raven God, O Deus Corvo. Sabemos que Odin está intimamente ligado aos corvos, tanto que possuí dois corvos muitos especiais (dos quais falarei a seguir); além disso, sabemos que um olho em meio à testa, entre nossos dois outros olhos, significa o olho da mente, o olho da alma: o sentido pelo qual o xamã percebe o mundo espiritual... Ora, o primeiro ato de iniciação de Bran, nos livros de Martin, é exatamente ser bicado pelo corvo bem no meio dos olhos, e na altura da testa. Logo após o garoto acorda e acha que tudo “não passou de um sonho estranho”, mas no decorrer dos livros sabemos que não foi bem assim, não é mesmo?
 
Por causa de seu voo alto, o corvo foi, muitas vezes, visto como um mensageiro dos deuses. Inúmeras histórias, de diferentes partes do mundo, falam-nos de como um corvo orientou humanos em suas jornadas. Por exemplo: segundo uma tradição, foram corvos que orientaram os beócios rumo ao lugar em que deveriam fundar uma nova cidade – a Beócia. Teriam sido eles que, também, guiaram Alexandre o Grande, até o templo de Júpiter Amon, no oásis de Siwa, no Egito (e que, lá, predisseram sua morte). O imperador japonês Jimmu, teria marchado para a guerra, no século VII, guiado por um corvo dourado. Um corvo era o mensageiro do Rei Marres, do Egito... E as histórias assim se seguem.

Mas é exatamente na mitologia nórdica que o corvo está ainda mais diretamente associado à magia. Diz-se que o voo do corvo simboliza a viagem espiritual, através do Grande Mistério, onde ela se torna igualmente desejada e perigosa, pois pode tanto trazer a iluminação quanto a loucura, dependendo do cuidado com que é realizada. Obviamente isso tudo tem a ver, claramente, com o xamanismo.

Odin possui então esses dois corvos, Huginn e Muninn, cujos nomes significam, no nórdico arcaico: pensamento (Huginn) e memória (Muninn, que também pode significar mente). Diz-se que, todos os dias, enquanto Odin cuida de seus afazeres como governante de Asgard, seus corvos sobrevoam todo o mundo e depois retornam, na calada da noite, para se empoleirar em seu ombro e lhe cochichar tudo o que virem e ouviram. Dessa forma, o Granda Xamã conseguia manter-se bem informado de todos os eventos, e todos os segredos do mundo, enquanto governava seu grande reino mítico.
 
Mas, o que é mais extraordinário nesta história, e o que a liga ainda mais profundamente ao xamanismo antigo, é o medo que Odin tinha de que seus corvos não retornassem de seus voos diários... Há um trecho da Edda Poética que fala exatamente dessa tal característica tão humana do deus nórdico:
 
Huginn e Muninn voam a cada dia
Sobre os grandes espaços de Midgard
Eu temo por Huginn, que ele não consiga voltar,
Mas fico ainda mais ansioso pelo retorno de Muninn
 
Parece-me que esse é o mesmo medo de todo o xamã iniciante, de todo aquele que mergulha no Grande Mistério da própria alma, e teme se perder de seu corvo guia, e nunca mais encontrar o caminho de volta. Trata-se de uma belíssima metáfora não somente para a própria arte da magia, como para todo o risco que ela envolve... Ainda assim, Odin é o Grande Xamã, não mais habita nosso mundo (Midgard), mas o mundo espiritual (Asgard), e mesmo assim, mesmo do alto de toda sua sabedoria, ele ainda temia perder seus corvos. Mesmo um deus teme perder sua memória, e seu pensamento – sem estes, ele reduz-se a nada, ou quase nada. Um deus louco não é muito mais do que um xamã louco.
 
Através desta nossa curta, porém espiritualmente profunda, viagem pelo mito de apenas um único deus, quantos ecos ocultos de nossa história não parecem ter vido a tona...
 
Não tenho dúvidas de que, assim como Odin, todo grande deus, todo grande mito, um dia foi homem: um grande e feroz guerreiro, um exímio caçador cuja lança jamais errava o alvo, um xamã ancião que intercedia no mundo espiritual para proteger e guiar sua tribo ou, quem sabe, apenas mais um que contemplou as estrelas, e tornou-se um artista, um poeta. Nossos mitos mais grandiosos provavelmente são as histórias das vidas de grandes homens e mulheres, mescladas com nosso temor e fascinação pelas forças da natureza, e com os aspectos psicológicos – nossas mais belas e profundas reflexões acerca do porque, afinal, estamos aqui neste mundo.
 
Eis porque nós mesmos também somos da raça dos deuses, e porque todos, deuses e homens, nada mais são do que emanações da Alma do Mundo, do Grande Mistério, do Oceano que somente alguns de nós se arriscaram até hoje em mergulhar, e de lá trouxeram as mais belas e aterrorizantes interpretações daquilo de oculto que sentiram – mas que, claro, seria impossível traduzir em palavras, em linguagem cognoscível.
 
Interessante como iniciamos este relato de Odin através das histórias em quadrinhos, onde o mito está mais diluído, mas é exatamente um escritor de quadrinhos que nos traz, atualmente, uma das definições mais completas da grande viagem dos corvos: “Magia é arte, a arte. E essa arte, seja a escrita, a música, a escultura ou qualquer outra forma, é literalmente magia. A arte é como a magia, a ciência de manipular símbolos para operar mudanças de consciência” – define Alan Moore na genial obra The Mindscape of Alan Moore.
 
Toda a arte nasceu da mitologia. A pintura e a gravura nasceram na arte rupestre, pré-histórica, xamãnica. A música também se desenvolveu conjuntamente com os rituais religiosos ancestrais. Mesmo o teatro surgiu na Grécia antiga, quando os cultos ao deus Dionísio acabaram evoluindo para peças teatrais onde os atores, tal qual aos xamãs, vivenciavam aos mitos. Já a poesia, é pura magia posta em palavras... É exatamente por isso que a magia é a arte, a primeira arte, pois foi através dela que nossos ancestrais puderam transportar suas ideias e pensamentos, seus símbolos, para este nosso mundo de carne e osso. E o que é a mitologia senão o arcabouço simbólico de toda a nossa arte?
 
Sob um ponto de vista, você poderá dizer: “poxa, mas a magia é apenas isso?”; ou poderá dizer, sob outro ponto de vista: “puxa, mas então a magia é tudo isso!”. O seu ponto de vista dependerá tão somente da altura na qual seus corvos conseguem voar.
 
 

Uma Visão Diferente do Loki Cinematográfico

Tom Hiddleston interpretou o papel de Loki nos filmes Thor e Os Vingadores

Um breve tratado sobre a participação de Loki nos filmes Thor e Os Vingadores (que pode ser expandido também para a visão dos quadrinhos). Um ser capaz de atos cruéis e ás vezes loucos, mas também capaz de ser bom e de nutrir sentimentos puros pelas pessoas quando realmente necessário. Compreendê-lo não é fácil, bem como prever seus atos.

Quem já viu o filme Thor sabe como ele termina. Quem viu além dos créditos também já sabe que Loki saiu daquele “buraco negro” em que ele desapareceu após a queda da Bifrost. Após várias entrevistas ao ator que fez o Loki (Tom Hiddleston), já sabemos que quando Loki caiu através desse buraco negro ele viajou por outras dimensões e pelo espaço-tempo. Conheceu outros mundos muito além dos Nove que Asgard protege. Fez contatos com outras formas de vida e outras inteligências. Ele se tornou, nas palavras do próprio ator, um “pirata Asgardiano”.
 
Loki conheceu muitas coisas, mas também sofreu. Em Thor ele tinha poder, sim, mas nada comparado ao que adquiriu após viajar por tantos mundos e dimensões. Loki aprendeu da maneira mais dura a se defender e a manipular novas formas de magia e também de luta corporal. Pela maneira que ele apareceu nas cenas pós-créditos é perceptível que a vida dele não foi nada fácil até cair na Terra. Tanto seu corpo quanto sua mente estavam alquebrados e torturados.
 
Nenhuma redenção parecia ao seu alcance. Esse Loki está cheio de raiva e vontade de dar o troco por tudo o que sofreu, pois acha que tudo foi culpa de Odin e de Thor. Nesse momento, com a mente transtornada, Loki provavelmente acha que teria sido melhor que Odin o tivesse deixado no Templo para morrer.

Ele ama o pai, a mãe e o irmão, é claro; mas esse amor está revestido de uma amargura muito grande causada pelas mentiras de Odin e o ciúmes de Thor. Por ter sempre se sentido diminuído diante da presença marcante do irmão e por ter sido sempre menosprezado pelos demais asgardianos por ser um mago, Loki cultivou esse lado obscuro por milênios. Quando a brincadeira que fez para estragar a coroação do irmão deu errado (aqui um detalhe curioso: aquilo não foi um ato de traição ou maquinação contra o reino, mas sim pode ser considerada apenas uma maneira de salvaguardar o trono de um futuro rei que ainda não estava preparado através de uma espécie muito pessoal de brincadeira), aconteceu toda uma sucessão de coisas erradas. Nós conhecemos a sensação... é como se, quando uma coisa dá errado, um monte começa a dar errado em seqüência. Parece até engraçado como uma coisa negativa atraí tantas outras.

O irmão mais novo de Thor nunca quis o trono. Não estava preparado psicológicamente para isso quando aconteceu. O deus do trovão tinha acabado de ser banido graças ao resultado de uma brincadeira de Loki e ele mesmo tinha de repente descoberto não só que não era filho de Odin, mas que fazia parte da raça mais odiada dos Nove Reinos. Para ajudar, seu pai caiu no Sono de Odin sem perspectiva de voltar. Ele acabou subindo ao trono já completamente instável emocionalmente.
 
Talvz o que aconteceu foi o medo natural perante tamanha responsabilidade. Ou talvez apenas um desgosto por fazer algo que não queria. De qualquer forma, ele ficou apreensivo de que Thor, se voltasse, descobrisse o que o irmão era e talvez que o desprezasse perante Asgard.

Começara a sucessão de mentiras. Porque, além de achar que o irmão poderia desprezá-lo, Loki também queria ter a oportunidade de fazer algo grande para mostrar ao pai que, apesar de filho de Laufey, ele também era digno de ser chamado Filho de Odin. Loki passou a vida inteira se achando indigno se comparado ao irmão mais velho e agora, sabendo de suas origens, ele queria desesperadamente fazer algo para mostrar ao pai e ao reino (e a si mesmo) que era parte de Asgard. Acima de tudo, ele tinha ódio de si mesmo por ser um Gigante de Gelo. Por isso ele quis acabar com aquela raça mais do que tudo. Para não ser lembrado do que era realmente. Talvez, dentro de sua mente imersa em pressão e sofrimento pelos acontecimentos tão súbitos, Loki achasse que, destruindo aquela raça de Jotuns, ele de alguma forma não mais seria um deles. Seria para sempre um Aesir.
 
Ele errou? Sim, ele errou. Mas ninguém é totalmente culpado ou inocente nessa história. Não há vilões ou heróis no filme Thor. Há mal entendidos que cresceram além de um tamanho assustador demais para se conter.
 
Após a queda da Bifrost nós temos um Loki menos preocupado em provar seu valor. Agora ele quer dar o troco. Ele quer fazer a Terra pagar por tudo o que aconteceu. Porque foi para a Terra que Thor foi banido. E foi na Terra que o irmão dele, que antes era seu amigo e sempre ficara ao lado dele, aprendera a ver o mundo de outra forma. Thor teve a oportunidade de mudar… Loki não. Por isso não suporta a idéia de que foi Midgard que o separou do irmão e de sua família.
 
Não podemos esquecer tambpem que a guerra entre Asgard e Jotunhein começou por causa da Terra. Os Gigantes de Gelo queriam dominar os Nove Reinos e começaram pela Terra. Foi por causa dessa guerra que Odin encontrou Loki no Templo, abandonado para morrer. Então é plausível que Loki queira dominar Midgard para fazer Thor sofrer.

Loki tem uma profunda obsessão por Thor. Ele ama o irmão mais velho e isso com certeza aumentou a carga emocional do deus das travessuras ao longo dos séculos. Com certeza, Loki devia achar que sentir isso pelo irmão era errado e que provavelmente havia algo de errado com ele próprio. Quando descobriu que, na verdade, era um Gigante de Gelo, as coisas se encaixaram. Os Jotuns eram monstros, então por lógica ele também era um monstro, principalmente por nutrir sentimentos talvez até mesmo proibidos entre dois irmãos e dois homens.

Entre os vikings, a prática da magia é algo relacionado estritamente ao sexo feminino. Homens que usavam magia naquela época eram taxados como afeminados e homossexuais passivos. Para os antigos nórdicos, estava tudo bem um homem se deitar com outro, contanto que ele fosse a parte ativa da relação. O outro homem, o que fazia o papel de mulher na relação sexual é que era discriminado.

Bem, Loki é um mago. E jamais vimos um interesse romântico dele no filme. Isso pode ter contribuído para estigmatização de Loki entre os Aesires. Mas isso é apenas uma especulação. Reforçando o que foi dito no começo deste texto: compreendê-lo e prever seus atos não é algo simples de se fazer.
 
 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

As Influências Vikings no Oriente e na Rússia

Pskov, antiga cidade russa fundada durante a Era dos Vikings

Os escandinavos que navegaram para o ocidente eram principalmente noruegueses e dinamarqueses, coisa muito natural dada à sua situação geográfica e à antiga orientação para ocidente dos seus contatos culturais. Os vikings suecos percorreram também longas distancias entre os séculos IX e X, mas naturalmente se fixaram no Oriente, onde encontraram culturas muito diferentes. Para lá das terras eslavas do Báltico Meridional e Oriental (a região ocupada hoje em dia pela parte oriental da Alemanha, Polônia, Lituânia, Letônia e Estônia), as suas viagens os levaram através do golfo da Finlândia até os grandes sistemas de rios russos do Volchovlovat-Dniepre e do Volga, a sul e a leste, até as terras férteis do Império Bizantino e o Califado Abássida dos árabes. Dali podiam interligar-se com as antigas rotas comerciais que se estendiam ate a Índia e a China.
 
As tribos eslavas pagãs que viviam próximo das margens meridionais e orientais do Báltico estavam, naquela época, consolidando-se como grupos nacionais maiores, de modo muito parecido com o que estava acontecendo na Escandinávia. As tribos dos eslavos ocidentais - que incluíam os obodritas, os wiltzios e os rúgios no território oriental da atual Alemanha, e os volínicos e os pomerânios na Polônia Ocidental - tinham varias povoações costeiras de grande importância na esfera da atividade comercial báltica. Devem ter sido muito conhecidos dos mercadores da Escandinávia Oriental e mais além, incluindo os árabes, que, por vezes, enviavam embaixadas e missões comerciais ao extremo norte. A arqueologia descobriu muitas destas povoações, e fizeram-se achados especialmente importantes em Arkona e Ralswiek, na ilha de Rilgen, no Báltico Meridional, a capital dos rugios, onde se encontraram os restos de um centro comercial, de uma fortaleza e de um dos maiores templos pagãos das terras eslavas.
 
Outros centros mercantis costeiros, em Menzlim, Rostock, Mecklenburg e Oldenburg (Alemanha) e Wolim, Truso e Kolobrzeg (Polonia), tem características parecidas com as da Escandinávia Oriental e da Gotlandia. Por exemplo, em Wolin, uma ilha na foz do Oder, os arqueólogos acharam os restos bem conservados de uma cidade ribeirinha; as casas de madeira e as ruas rodeadas de muralhas com paliçadas se parecem muito com as cidades vikings contemporâneas de Hedeby e Birka. Os edifícios continham detritos procedentes de uma ampla gama de atividades artesãs, com objetos especialmente belos talhados em ambar do Báltico. Wolim também era um centro de culto eslavo, e escavou-se um templo muito trabalhado, que segundo a analise dos anéis de arvore remonta a 966, aproximadamente. Os escandinavos conheciam Wolim pelo nome de Jomsborg, e durante o século X pode ter sido a base da semilendaria associação guerreira viking que se conhece pelas sagas com o nome de Jomsvikings (vikings de Joms). Parece provável que os comerciantes vikings tenham se estabelecido permanentemente em alguns desses centros mercantis do Báltico. Escavou-se um grande numero de túmulos vikings nos arredores da cidade de Menzlin, junto do rio Peene, na parte oriental da Alemanha, e é possível que um grupo de elite de guerreiros escandinavos tivesse ali uma povoação estável, numa margem do rio de onde podiam controlar o acesso a cidade.
 
Para os vikings, a importância destes centros mercantis eslavos ocidentais residia no fato de estarem situados junto a foz do Oder e do Vistula, as grandes artérias de comercio que permitiam o acesso, via Danúbio, ao mar Negro, e a Bizâncio (Constantinopla na Idade Media e Istambul na atualidade), e portanto a riqueza do Império Bizantino. Esta rota tinha trechos bastante difíceis de percorrer, e muitos vikings suecos optaram por viajar até Bizâncio seguindo a rota do leste, que passava através do golfo da Finlândia. No caminho encontraram - e talvez ajudassem a estabelecer - pequenos centros mercantis costeiros controlados pelos eslavos orientais em lugares como Druzno, na Polônia Oriental, Kaup na costa de Kaliningrado, Grobin na Letônia e Tallin na Estônia. Depois, navegaram em seus barcos mercantes subindo o rio Neva ate o lago Ladoga e a foz do rio Volchov. Em seguida, desceram para o sul ate Novgorod, no lago Ilmen, e daqui entraram na rota fluvial do Lovat-Dniepre, que conduzia ao mar Negro e a Bizâncio.
 
No extremo norte desta rota, nas proximidades do lago Ladoga, ficava um dos centros mercantis mais antigos da Europa Oriental, Staraya Ladoga (Ladoga, a Velha). Ladoga, que os vikings chamavam Aldeigjuborg, serviu de primeiro porto de escala na longa viagem para o sul durante toda a historia do contato escandinavo com a Rússia, e a localidade desenvolveu-se, sendo no inicio (no século VIII) um pequeno centro mercantil, e tornando-se depois (no século X) um grande centro fortificado, com uma residência principesca e presença militar. A arqueologia de Ladoga e seus interiores proporciona valiosas indicações de qual era o tipo de gente daqueles primeiros exploradores e a natureza das suas relações com a população eslava nativa. Os testemunhos dos cemitérios de vários tipos que rodeiam a povoação indicam que, muito provavelmente, tanto as mulheres como os homens escandinavos estavam presentes em Ladoga, e isso implica uma existência mais estável e agrícola que a que aparece nas descrições que tantas vezes se fazem dos vikings russos como uma classe exclusivamente masculina de intrépidos comerciantes guerreiros. As escavações dos edifícios dentro da mesma cidade mostram como ela evoluiu nesse período, e tem muito que nos dizer sobre a natureza das primeiras atividades vikings na Rússia.
 
Saber até que ponto os vikings influenciaram a formação do Estado russo primitivo e das suas cidades é um dos aspectos mais intrigantes e polêmicos do seu papel no leste. Os escandinavos que se aventuraram e se estabeleceram no leste eram conhecidos como rus ou rhos entre as pessoas com quem entravam em contato, e há provas documentais de que eles próprios usavam este nome; os significados ou origens do termo não estão claros, mas a sua evidente relação com o nome Rússia (isto e, "a terra dos rús") é uma das razoes que leva o debate a ser tão apaixonado. O mais provável é que a palavra tenha raízes na palavra báltico-finlandesa ruotsi, que significa "suecos", mas deriva da palavra sueca rodr, que significa "uma equipe de remadores" Este termo seria um modo bastante natural para os vikings primitivos de se descrever a si próprios quando se encontravam com novos povos, dado que o seu mundo por vezes deve efetivamente ter parecido limitado para os seus pequenos barcos viajando sozinhos numa terra imensa e desconhecida. O debate sobre as origens étnicas da Rússia atual fez furor nos estudos históricos e arqueológicos durante décadas e ainda não está concluído. não obstante, a maioria dos eruditos atuais evita estender-se em generalizações com relação a um grupo étnico em particular, insistindo antes na interação e nas atividades mútuas de todos os povos ativos no Báltico Oriental: escandinavos, eslavos, bálticos e finlandeses. não há duvida de que o contato entre os escandinavos e as tribos eslavas estimulou uma troca cultural e um comercio além-mar na região, mas poucos argumentariam (como aconteceu no passado) que os vikings foram realmente responsáveis pelo estabelecimento de cidades e de cidades-estados. Antes pelo contrario, o desenvolvimento de centros mercantis fortificados que cresceram na época viking em volta das costas do Báltico da Escandinávia ate a Rússia pode ser visto como integrante de um processo europeu mais amplo de formação de Estados, relacionado com a centralização do poder e a expansão de redes comerciais e de mercados. Não obstante, de todos os povos bálticos, os escandinavos foram sem duvida os que viajaram mais longe, e a sua influência estendeu-se por todas as regiões do mundo que conheceram; a presença permanente de escandinavos na Rússia, revelada pelo cemitério de Ladoga, é só um aspecto deste processo geral mais amplo.
 
Os vikings navegaram para o sul pelo Volchov, vindos de Staraya Ladoga, e passando diante de numerosas povoações eslavas na planície irrigada, até que chegaram ao que chamaram Holmgardr ("a colônia nas ilhas"), situada na paisagem úmida da foz do lago Ilmen. Quando os primeiros escandinavos chegaram à região no principio da época viking, só havia uma pequena povoação numa ilha do sul da cidade moderna de Novgorod, conhecida então como Gorodisce. Ali as escavações revelaram um centro mercantil muito ativo, que nos séculos IX e X foi habitado por uma mistura de escandinavos e de eslavos. As suas relações comerciais estendiam-se para ocidente, onde as mercadorias manufaturadas no lugar eram transportadas em troca de artigos importados. Em meados do século X, a povoação ampliou-se ate Novgorod (que significa "nova fortaleza"), e Gorodisce parece ter permanecido como centro administrativo e militar, para além de ser residência de dois príncipes que governavam Novgorod.
 
Toda a região das ilhas e lagoas com o nome de "portas de Novgorod", que controlava o acesso do rio ao Império Bizantino e ao Califado Abássida, tornou-se o centro integrado do Estado que começou a evoluir a partir das povoações dos reis nórdicos. A capital ficava em Novgorod; as povoações-satelites, como Gorodisce e a localidade fortificada próxima de Gorodok, desempenhavam papéis específicos na estrutura politica em vias de desenvolvimento. Estava também presente um elemento religioso, do primitivo templo pagão eslavo do deus Perun numa ilha próxima de Gorodisce - talvez o centro maior e mais importante no leste - até a posterior rede de igrejas cristãs que se construíram ao longo das margens e das ilhas na nascente do rio Volchov. A riqueza e a verdadeira amplitude da base do poder de Novgorod foram demonstradas ao longo de 60 anos de escavações feitas na cidade pelos arqueólogos russos, em alguns dos lugares mais ricos que foram encontrados no mundo viking.
Novgorod era o mais setentrional dos dois centros principais de atividade escandinava na rota fluvial russa, e o segundo tinha base em Kiev (Ucrânia), que os vikings chamavam Koenugarer. A povoação cresceu nas margens do Dniepre, o rio a que os escandinavos chegavam depois de navegar para o sul a partir de Novgorod pelo Lovat, e de rebocar os seus barcos em dois curtos trechos de terra. O Dniepre se liga diretamente ao mar Negro, e dali à grande cidade de Bizâncio no Bósforo; o estreito que conduz ao Mediterrâneo ficava a uma distancia fácil de navegar.
 
Kiev desenvolveu-se de modo parecido ao de Novgorod, e no século X parece que foi governada por escandinavos, embora a população estivesse misturada com eslavos. A Primeira crônica russa, do inicio do século XII, uma das nossas fontes principais para a historia primitiva da região, afirma que a dinastia de Kiev foi fundada no século IX pelo escandinavo Rorik e passou aos seus sucessores Helgi, Ingvar e Helga, a mulher deste ultimo. A Crônica faz constra estes nomes nas suas formas eslavas: Ryurik, Oleg, Igor e Olga. Durante os séculos X e XI, os governantes de Kiev começaram a aparecer com nomes eslavos como Svjatoslav, Madimir e Jaroslav, e isso seguramente reflete uma crescente indefinição na distinção entre a população escandinava e eslava, exatamente como se viu nas colônias vikings da Inglaterra e da Normandia. A partir de meados do século X, vemos que rús é o termo corrente que designa o Estado em vias de desenvolvimento, embora a cultura esteja cada vez mais dominada pelos eslavos. Na Idade Média propriamente dita, Kiev tinha substituído Novgorod, sendo o centro do Estado russo.
 
As escavações de Kiev da época viking corroboraram de forma impressionante a evidencia das historias escritas acerca do seu desenvolvimento primitivo. As povoações cresceram em torno de três colinas. Uma delas, a Starokievskaya, tinha sido o lugar de um importante templo pagão no período pré-viking, e no século IX tinham sido construídas fortificações com estruturas de madeira nas suas encostas; havia uma ocupação secundaria nas outras colinas. Starokievskaya continuou a desempenhar uma função ritual como cemitério central da cidade em crescimento. No final do século IX e no século X, os comerciantes e artesãos estabeleceram-se em volta do sopé das colinas (a zona do Podol), e durante o reinado de Vladimir (980-1015) a cidade ainda continuou a crescer, construindo varias igrejas, que incluía a magnifica igreja de Desyatinnaya, que, acabada em 966 e construída por artesãos bizantinos, marcou o inicio de um autentico estilo de arquitetura russa.
 
Vladimir reforçou as defesas da cidade com a construção de uma cidadela fortemente defendida (o kremlin) em Starokievskaya. Ali, as escavações revelaram os restos de um extenso complexo de edifícios administrativos e de estruturas cerimoniais, com residências para os oficiais da corte, os sacerdotes e os chefes guerreiros locais. Estas eram rodeadas de habitações mais humildes, que incluíam estruturas de chão rebaixado. A atividade industrial parece ter-se limitado deliberadamente à parte baixa da cidade, separada da corte dos principes de Kiev. Kiev estendeu-se ainda mais durante o reinado de Jaroslav (1015-1054), adquirindo fortificações ainda mais sólidas. Então começou a construir-se a monumental Catedral de Santa Sofia, que ainda está de pé Muitas outras povoações dentro da região do Estado rús primitivo mostram sinais da presença escandinava. Entre elas, destacam-se a povoação e o cemitério escavados de Gnezdovo, o predecessor da atual Smolensk. Eles ficavam a meio caminho da rota de Novgorod a Kiev, no lugar onde os vikings rebocavam os seus barcos do Lovat ate o Dniepre. Ali os arqueólogos russos recuperaram muitos artefatos de tipo escandinavo, alguns deles de grande beleza e qualidade, embora predominassem os objetos eslavos. Outras povoações notáveis do rús são Pskov e Izborsk, na fronteira estoniana, cujos habitantes podem ter vindo do lago Ladoga no século X. O numero de artefatos escandinavos aumenta na Rússia a partir do final do século IX ate o século X, mas mais para leste já não se encontra nenhum, à exceção das povoações do Volga. Esta distribuição confirma de modo espantoso os limites da atividade direta dos escandinavos no Estado russo primitivo.
 
Texto de James Graham-Campbell, no livro The Viking World.
 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Vikings na América

Vários séculos depois dOs europeus terem chegado à América, poucos sabem que, possivelmente, foram os vikings e não Cristóvão Colombo que descobriram o novo mundo, afirma o arqueólogo norueguês Christian Keller.

Os vikings, guerreiros que viveram entre os anos 750 e 1.050, se dedicavam à pilhagem e a massacrar seus inimigos. Mas também eram astutos comerciantes, artesãos e colonizadores.

Eles saqueavam, matavam e atuavam como mercenários em muitos exércitos europeus. Mas também faziam negócios, eram camponeses e magníficos navegantes, com os navios mais modernos da época", explica Keller, catedrático da Universidade de Oslo e especialista em história viking.

Longe da imagem popular, os vikings constituíram uma civilização culta e se adaptaram à vida de muitos dos lugares que invadiram. Na Islândia e na Groenlândia, formaram sociedades vikings puras; na Irlanda e Escócia foram absorvidos pelos celtas; na Rússia, pelos eslavos; e na França, se adaptaram rapidamente.

Além disso, a mulher tinha uma forte posição na comunidade, que só perdeu após a conversão do povo ao cristianismo, entre os anos 1.000 e 1.030. Na época, o culto aos deuses Odin e Thor foi abandonado. Fisicamente, eles superavam em altura o resto dos povos europeus, e não usavam capacetes com chifres, como costumam ser representados. Ele acrescentou que em inscrições em pedras os capacetes aparecem sem chifres. "Isso foi uma invenção do compositor alemão Richard Wagner", garantiu.

Foi um viking, Eirik Raude Torvaldsson, ou "Eric, o Vermelho", quem, segundo a literatura, descobriu a Groenlândia entre os anos 982 e 986, depois de ser expulso da Islândia por causa de um assassinato. Seu filho, Leif Eiriksson, pode ter descoberto a América no ano 1000, segundo documentam as sagas, escritos originais da atual Islândia que refletem a tradição oral viking.

"Então zarpou Leif, mas permaneceu muito tempo fora e achou terras que não sabia que existissem antes. Ali cresciam campos de trigo e árvores parecidas com a bétula, e de tudo levaram mostras", narra a saga.

A saga dos groenlandeses conta, no entanto, que foi o mercador Bjarne Herjolvsson que por acaso avistou a América, quando se perdeu com seu navio no meio de uma tempestade.

O relato de suas viagens animou Eiriksson a navegar para o oeste, buscando a terra desconhecida, que descobriu por volta do ano 1.000, segundo afirma a saga.

Eiriksson chegou à Terra de Baffin, ao noroeste do Canadá, que batizou como Helluland, ou "terra de pedras planas". Ele também chamou o atual Labrador de Markland, ou "terra de florestas" e deu o nome de Vinland (ou "terra de verdes prados"), ao que pode ser a Terranova ou Cape Cod.

Em 1.961, um casal de exploradores noruegueses, Helge e Anne-Stine Ingstad, valendo-se das descrições das sagas, encontrou no povoado canadense de L'Anse aux Meadows os primeiros jazigos vikings da América. Mas foram necessários oito anos até que as provas técnicas confirmassem a descoberta.

"Encontraram casas e instrumentos no Canadá idênticos às relíquias vikings da Islândia e Groenlândia. Recolheram um anel de estanho, uma agulha e vestígios de produção de ferro, algo desconhecido para os índios norte-americanos", afirma Keller.

Ele acrescentou que os vikings viajaram pela América durante 100 anos, comerciando com os nativos. Mas não deixaram sua marca no novo mundo, lugar que não conseguiram colonizar.

A exploração de Vinland foi efetuada pelos vikings estabelecidos nas colônias da Groenlândia e motivada pela escassez de recursos que se verificava nesta região. As colônias eram em certa medida apropriadas à ocupação humana, mas apresentavam desvantagens como o clima frio, escassez de madeira como material de combustão, de construção de casas e embarcações ou a falta de fontes acessíveis de ferro. Para suprir estas carências, Leif Ericson, filho de Eric, o Vermelho, fundador da colônia da Groenlândia, tomou a iniciativa de explorar a área circundante.

As primeiras viagens revelaram descobertas promissoras num continente de clima relativamente mais ameno e repleto de recursos essenciais à sobrevivência. Para além de Vinland (terra das vinhas), Leif Ericson descreveu ainda Markland (a costa de Labrador), Straumfjord e Helluland (costa este da Ilha de Baffin), relatadas nas sagas como locais ideais para a criação de rebanhos. No entanto, a costa este do atual Canadá situava-se a mais de 1.000 milhas marítimas da Groenlândia, o que representava pelo menos três semanas de viagem de barco. Dada a impossibilidade de viajar a não ser no Verão, devido às condições atmosféricas, Leif Ericson depressa encontrou vantagem em estabelecer uma base de Inverno na região. Leifsbudir foi o nome dado a esta colônia.

A única fonte histórica que menciona a colônia de Leifsbudir em Vinland são as sagas nórdicas. De acordo com estes textos, Leifsbudir foi fundada por Leif Ericson, seu irmão Thorvald, sua irmã e sua mulher, por volta do ano 1.000. O local era descrito como uma pequena aldeia destinada a servir como quartel-general às expedições que continuavam a decorrer no Verão. À falta de fontes independentes e de vestígios vikings na América do Norte, os historiadores mantiveram-se céticos quanto a estas narrativas, classificadas por alguns acadêmicos como fantasias.

A dúvida dissipou-se em 1964 quando uma equipe de arqueólogos descobriu ruínas de arquitetura viking na área de L'Anse aux Meadows na costa norte da ilha da Terra Nova. O sítio era constituído por oito edifícios, dos quais três câmaras com espaço para acolher cerca de 80 pessoas, uma oficina de carpintaria e uma forja com tecnologia de extração de ferro idêntica à dos vikings. As datações por carbono 14 indicaram ainda idades em torno do ano 1000. A localização e características destas ruínas estavam por isso de acordo com as descritas pelos contemporâneos de Leif Ericson e confirmavam a veracidade da presença viking na América do Norte. Na foto desta postagem, pode-se ver a reconstrução de uma aldeia viking em L'Anse aux Meadows, no Canadá.

Uma das características mais marcantes da aldeia descoberta pelos arqueólogos era a ausência dos artefatos que normalmente acompanhavam os vikings. As escavações revelaram apenas e só a presença de 99 pregos estragados, 1 prego em boas condições, um pregador de bronze, uma roca, uma conta de vidro e uma agulha de tricot. Este magro espólio arqueológico foi interpretado como abandono deliberado da colônia, o que é apoiado pelas narrativas da época que contam como Leifsbudir foi abandonada ao fim de poucos anos de vida.

De acordo com as sagas, Vinland tinha todas as características de uma terra prometida, mas as idéias de exploração e colonização foram abandonadas, ao que tudo indica, repentinamente. Os motivos para o abandono são descritos pelos próprios relatos contemporâneos: Vinland era a morada de um povo hostil com o qual os vikings não conseguiram estabelecer relações pacíficas.

O primeiro contato dos vikings de Leifsbudir com os índios americanos é relatado em pormenor nas sagas. O acampamento foi visitado por um grupo de nove nativos, que os vikings chamavam genericamente skraelings (“os feios”, uma palavra também aplicada aos Inuit) dos quais os vikings mataram oito por razões não especificadas. O nono elemento fugiu e regressou em canoas com um grupo maior que atacou os colonos. Na luta, morreram algumas pessoas de parte a parte incluindo Thorvald, irmão de Leif Ericson.

Apesar deste início pouco auspicioso, foi possível estabelecer relações comerciais com os Índios, com a troca de leite e têxteis nórdicos por peles de animais locais. A paz durou algum tempo até que nova batalha começou quando um índio tentou roubar uma arma e foi morto. Os vikings conseguiram ganhar este conflito, mas o acontecimento serviu para perceberem que a vida em Vinland não seria fácil sem apoio militar adequado ao qual não tinham acesso.

De acordo com as sagas decidiram então abandonar a aldeia de Leifsbudir e o sonho de colonizar Vinland. Apesar do abandono, os vikings continuaram a visitar a América do Norte, em particular a região de Markland. Estas viagens não se destinavam à exploração ou a um eventual estabelecimento, mas sim recolher madeira e ferro, recursos que continuavam a escassear na Groelândia natal. A última referência a uma viagem a Markland data de 1347.


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Ogan

Ogan é um herói cujo contexto histórico situa-se no reino de Hordaland, na atual Noruega, por meados do século XII. Além disso, ele é um príncipe viking e na maioria das suas aventuras luta contra o vilão rei Erik e seus lacaios, percorrendo os mares do norte em um típico drakkar e chefiando um grupo de valentes guerreiros escandinavos, ao lado de seu fiel amigo Kiron e do carismático Poulet.

Publicado em formatinho em preto-e-branco, Ogan apareceu nas edições portuguesas das revistas "O Falcão" e "Tigre", nos anos 70. Por outro lado, as principais edições européias são de origem francesa, nas quais Ogan surgiu pela primeira vez nos anos 60, com destaque para a Editora Imperia e se manteve no mercado por quase 10 anos.

Suas histórias são relativamente curtas, mas estão repletas de vivacidade, ação e aventura. Na vertente técnica, sabe-se que Ogan foi desenhado por vários artistas, essencialmente espanhóis, como César Lopez (este o mais representativo e o que lhe dá a personalidade base) e ainda Jaime Brocal Remohi, Adolfo Buyalla, Jaime Juez, Auraleon e Francisco Puerta.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Thor encontra Hulk em sua primeira aparição Hollywoodiana

A primeira aparição do personagem Thor da Marvel no filme O Retorno do Incrível Hulk, de 1988. Neste filme, continuação da série do Hulk, Thor (Eric Allan Kramer) e Donald Blake (Steve Levitt) eram pessoas diferentes, com o segundo sendo capaz de conjurar o deus direto de Asgard. Na trama do filme, o Dr. David Banner (Bill Bixby) está de volta dois anos depois da última transformação, empenhado em montar uma máquina que poderia lhe curar do seu lado monstruoso, o Hulk (Lou Ferrigno). Um cienstista e ex-colega de trabalho de David, o Dr. Donald Blake, pesquisava sobre a existência de um deus nórdico chamado Thor; a única pista, foi um martelo com características sobrenatural. Blake lia histórias de deuses nórdicos e concluiu que para libertar Thor; era só erguer o martelo e gritar: Odin. Uma curiodidade tosca digna de nota!

Entretanto, deixando os preciosismos de lado, temos um Thor mais condizente com as limitações do orçamento, usando uma estranha armadura com pêlos nos ombros e calças de couro. Do visual dos quadrinhos, apenas o elmo e o martelo sobraram. Em vez de falar com erudição, Thor estava mais para um fanfarrão... para desespero de seu tutor na Terra. Em meio a raios, ele se materializou com sede e muita irritação. Descontando sua frustração na aparelhagem, levou um pito de Banner. O Viking, claro, não gostou nada da bronca e espancou o frágil doutor sem saber que cutucava a onça com vara curta.

Thor arremessou o azarado protagonista sobre um dos computadores. Este foi eletrocutado e, enfim, deu lugar a seu esverdeado alter ego. Extasiado, Thor gargalhou e partiu para a briga. Acontece que o Verdão era osso duro de roer. Mesmo aliada a tamanha erudição, a arma e seus raios não nocautearam o Gigante Gama. O combate só cessou quando Blake usou o martelo para banir Thor novamente para o Limbo. Assim, findou-se o clímax da aventura. Baixada a poeira, os dois tornam-se amigos e seguem o resto da história juntos, espancando criminosos enquanto cruzam a cidade.

Cena da primeira luta entre Hulk e Thor:


Comentários sobre o filme:



quinta-feira, 12 de abril de 2012

Vikings: A Viúva do Inverno

Northlanders (ou Vikings, como é chamada aqui no Brasil) é uma graphic novel que foi lançada até a vigésima edição como parte integrante da revista Vertigo da Editora Panini. A série foi interrompida em julho de 2011, mas a editora anunciou que a retomará em versão encadernada.

Vikings: A Viúva do Inverno reúne as edições originais Northlanders 21 a 28 e continua a série do ponto exato no qual foi interrompida. Foi escrita por Brian Wood e desenhada por Leandro Fernadez. A sinopse do gibi é a seguinte:

“Nos arredores do rio Volga, próximo a 1020 d.C., uma cidade viking isolada cai vítima de uma doença assassina e contagiosa ao mesmo tempo em que o brutal inverno nórdico chega. Frente a uma difícil escolha, o conselho local vota por expulsar os doentes e trancar os portões na esperança de preservar a vida dos que ficam. Mas, enquanto os portões são fechados e a temperatura despenca, fica claro para todos que a verdadeira ameaça está dentro das muralhas. Gunborg, um líder local, começa uma brutal campanha de intimidação. Boris, o forasteiro com uma teoria sobre doenças contagiosas, tenta resistir a ele. Em meio a esse conflito está Hilda, uma viúva que já provou o gosto da riqueza, mas que agora está sem posses e desprotegida. Durante o longo e cruel inverno, os habitantes de Volga sofrem com a fome, violência, frio, ataques de animais selvagens, crimes, assassinatos e a sempre presente ameaça de morte devido a uma doença invisível.”

Conforme anunciado no site da Vertigo/Panini, a Viúva do Inverno é um conto de horror narrado pelo ponto de vista de uma solitária mãe e sua filha de oito anos, que lutam para se manter vivas em meio à adversidade.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

13º Guerreiro e os Manuscritos de Ahmad Ibn Fadlan

The 13th Warrior (O 13º guerreiro, no Brasil, O último viking, em Portugal) é um filme norte-americano de 1999, dirigido por John McTiernan. Baseia-se no romance Eaters of the Dead, de Michael Crichton. Tal romance é, por sua vez, inspirado pela tradução para inglês do relato real de Ibn Fadlan das suas viagens para cima do rio Volga, no século X. O enredo é, contudo, em grande medida uma adaptação moderna do épico anglo-saxão Beowulf, com elementos extraídos das 1001 noites.

O filme esforça-se para atingir uma atmosfera histórica, incluindo o uso de diálogos em árabe, sueco, norueguês, dinamarquês, grego e latim. O ator norueguês Dennis Storhøi co-protagonizou a película como Herger, enquanto o ator sueco Sven Wollter interpretou um velho chefe viking. A veterana atriz norueguesa Turid Balke teve também um pequeno, mas proeminente, papel ao interpretar a feiticeira, assim como a atriz sueco-norueguesa Maria Bonnevie como a criada Olga.

Originalmente intitulado Eaters of the Dead, o filme começou a ser produzido em Agosto de 1997. Percorreu diversas montagens e remontagens, após assistências de teste não terem reagido bem à montagem inicial. Após terem sido refilmadas diversas cenas, com Crichton como realizador (o que atrasou a saída do filme por mais de um ano), o título foi alterado para The 13th Warrior.

A história do filme se passa no ano 922, quando Ahmad ibn Fadlan (Antonio Banderas), um poeta e cortesão árabe, apaixona-se por uma mulher lindíssima, que pertence a outro homem. O ciumento marido reclama com o califa, que então nomeia Ahmad embaixador na terra de Tossuk Vlad, uma região pobre e longínqua ao norte. Na prática, Ahmad é expulso de sua casa. Por vários meses, Ahmad atravessa a camelo as terras dos povos bárbaros e acompanhado de Melchisidek (Omar Sharif), um velho amigo de seu pai, deambula pela terra dos oguzes, dos azeris e dos búlgaros, até chegar terras dos tártaros, onde é atacado por um grupo desconhecido que acaba por desistir do saque após ver os barcos dos vikings.

Ibn Fadlan é intimidado pelos costumes dos vikings: a sexualidade pura e crua, o descuido com a higiene, os sacrifícios humanos a sangue frio. Até que Ahmad toma conhecimento de uma verdade aterrorizadora: foi escolhido para combater Wendol, um ser que mata vikings e devora-os. Uma vidente faz a revelação que treze guerreiros devem lutar contra estes inimigos, mas o décimo terceiro não pode ser um homem do norte. Assim, Ibn Fadlan luta ao lado dos Vikings num combate que dificilmente será vencido por eles.

Agora, falando em um contexto real, Ahmad ibn Fadlan realmente existiu e foi um escritor árabe do Século X que registrou em seu Risāla suas "aventuras" em terras "russas" (Bulgária do Volga) a mando do califa Al-Muqtadir de Bagdá. Entre outras coisas, Ibn escreveu sobre os Rus (daí vem o nome Rūsiyyah - Rússia ou Russland - Terra dos Rus) ou Varegues. Eram povos escandinavos oriundos da Suécia e Dinamarca. Esses indivíduos criaram rotas de comércio (entre outras coisas, de escravos) até os califados árabes e Constantinopla, e pelo caminho saqueavam tudo que aparecia pela frente. Seu encontro com os Rus teria se dado onde hoje é o Tartaristão (lembram no começo do filme quando um grita "os tártaros estão chegando?"... eis o motivo!).

Fadlan relatou os estranhos costumes e hábitos dos escandinavos. Reclamou muito da higiene deles. Na verdade, disse que "eles eram as criaturas mais repugnantes que Deus havia criado", pois não tomavam banho depois de ter relações sexuais nem depois de comerem. Além de se lavarem de manhã todos em uma única tina (isso aparece no filme). Coisas imperdoáveis para um árabe muçulmano.

Reclamou também do cheiro insuportável de fezes e urina nas ruas já que não haviam banheiros e se faziam essas coisa na rua mesmo. Mas também se admirou com o fato que penteavam os cabelos todos os dias. Estranhou que as mulheres andassem com um seio a mostra. Comentou as armas que usavam (os homens usavam machados e facas), as tatuagens (no corpo todo) também o impressionaram. Fez uma rica descrição dos nórdicos dizendo entre outras coisas que eram loiros ou ruivos, rosados, "belos" (ele fala algo como "forma física perfeita") e altos como "palmeiras".

O árabe descreveu em detalhes um enterro de um chefe viking que testemunhou (isso também aparece no filme), onde seu corpo foi cremado em um navio com seus pertences (na verdade, 1/3 deles) e, como de costume durante certo tempo, uma garota (quase sempre virgens ou esposas) o acompanhou em sua jornada póstuma. A jovem era consumida pelas chamas. Viva, é claro.

Por tudo isso, os manuscritos de Ahmad ibn Fadlan são de valor histórico inestimável.

Enfim, uma consideração importante a ser feita: a tradução da oração no final do filme foi muita mal feita. Simplesmente traduziram "Lo" como "Abaixo" (um erro grosseiro, provavelmente causado por confudirem este termo com a palavra ingles Low)! No entanto, "Lo" é uma expressão arcaica e significa "Comtemple" ou "Veja". Lamentável para dizer o mínimo. Essa oração é a alma do roteiro.

Eis a original:

Lo' there do I see my father
Lo' there do I see my mother, my sisters and my brothers
Lo' there do i see the line of my people back to the beginning
Lo' they do call to me
They bid me to take my place amoung them in the halls of Valhalla
Where the brave they live forever!



E essa é uma tradução da oração que tomei a liberdade de fazer:

Eis que vejo meu pai
Eis que vejo minha mãe, minhas irmãs e meus irmãos
Eis que vejo a linhagem da minha família desde o início
Eis que eles me chamam
E me convidam para tomar meu lugar entre eles nos salões do Valhalla
Onde os bravos vivem para sempre!