terça-feira, 25 de setembro de 2012

As Influências Vikings no Oriente e na Rússia

Pskov, antiga cidade russa fundada durante a Era dos Vikings

Os escandinavos que navegaram para o ocidente eram principalmente noruegueses e dinamarqueses, coisa muito natural dada à sua situação geográfica e à antiga orientação para ocidente dos seus contatos culturais. Os vikings suecos percorreram também longas distancias entre os séculos IX e X, mas naturalmente se fixaram no Oriente, onde encontraram culturas muito diferentes. Para lá das terras eslavas do Báltico Meridional e Oriental (a região ocupada hoje em dia pela parte oriental da Alemanha, Polônia, Lituânia, Letônia e Estônia), as suas viagens os levaram através do golfo da Finlândia até os grandes sistemas de rios russos do Volchovlovat-Dniepre e do Volga, a sul e a leste, até as terras férteis do Império Bizantino e o Califado Abássida dos árabes. Dali podiam interligar-se com as antigas rotas comerciais que se estendiam ate a Índia e a China.
 
As tribos eslavas pagãs que viviam próximo das margens meridionais e orientais do Báltico estavam, naquela época, consolidando-se como grupos nacionais maiores, de modo muito parecido com o que estava acontecendo na Escandinávia. As tribos dos eslavos ocidentais - que incluíam os obodritas, os wiltzios e os rúgios no território oriental da atual Alemanha, e os volínicos e os pomerânios na Polônia Ocidental - tinham varias povoações costeiras de grande importância na esfera da atividade comercial báltica. Devem ter sido muito conhecidos dos mercadores da Escandinávia Oriental e mais além, incluindo os árabes, que, por vezes, enviavam embaixadas e missões comerciais ao extremo norte. A arqueologia descobriu muitas destas povoações, e fizeram-se achados especialmente importantes em Arkona e Ralswiek, na ilha de Rilgen, no Báltico Meridional, a capital dos rugios, onde se encontraram os restos de um centro comercial, de uma fortaleza e de um dos maiores templos pagãos das terras eslavas.
 
Outros centros mercantis costeiros, em Menzlim, Rostock, Mecklenburg e Oldenburg (Alemanha) e Wolim, Truso e Kolobrzeg (Polonia), tem características parecidas com as da Escandinávia Oriental e da Gotlandia. Por exemplo, em Wolin, uma ilha na foz do Oder, os arqueólogos acharam os restos bem conservados de uma cidade ribeirinha; as casas de madeira e as ruas rodeadas de muralhas com paliçadas se parecem muito com as cidades vikings contemporâneas de Hedeby e Birka. Os edifícios continham detritos procedentes de uma ampla gama de atividades artesãs, com objetos especialmente belos talhados em ambar do Báltico. Wolim também era um centro de culto eslavo, e escavou-se um templo muito trabalhado, que segundo a analise dos anéis de arvore remonta a 966, aproximadamente. Os escandinavos conheciam Wolim pelo nome de Jomsborg, e durante o século X pode ter sido a base da semilendaria associação guerreira viking que se conhece pelas sagas com o nome de Jomsvikings (vikings de Joms). Parece provável que os comerciantes vikings tenham se estabelecido permanentemente em alguns desses centros mercantis do Báltico. Escavou-se um grande numero de túmulos vikings nos arredores da cidade de Menzlin, junto do rio Peene, na parte oriental da Alemanha, e é possível que um grupo de elite de guerreiros escandinavos tivesse ali uma povoação estável, numa margem do rio de onde podiam controlar o acesso a cidade.
 
Para os vikings, a importância destes centros mercantis eslavos ocidentais residia no fato de estarem situados junto a foz do Oder e do Vistula, as grandes artérias de comercio que permitiam o acesso, via Danúbio, ao mar Negro, e a Bizâncio (Constantinopla na Idade Media e Istambul na atualidade), e portanto a riqueza do Império Bizantino. Esta rota tinha trechos bastante difíceis de percorrer, e muitos vikings suecos optaram por viajar até Bizâncio seguindo a rota do leste, que passava através do golfo da Finlândia. No caminho encontraram - e talvez ajudassem a estabelecer - pequenos centros mercantis costeiros controlados pelos eslavos orientais em lugares como Druzno, na Polônia Oriental, Kaup na costa de Kaliningrado, Grobin na Letônia e Tallin na Estônia. Depois, navegaram em seus barcos mercantes subindo o rio Neva ate o lago Ladoga e a foz do rio Volchov. Em seguida, desceram para o sul ate Novgorod, no lago Ilmen, e daqui entraram na rota fluvial do Lovat-Dniepre, que conduzia ao mar Negro e a Bizâncio.
 
No extremo norte desta rota, nas proximidades do lago Ladoga, ficava um dos centros mercantis mais antigos da Europa Oriental, Staraya Ladoga (Ladoga, a Velha). Ladoga, que os vikings chamavam Aldeigjuborg, serviu de primeiro porto de escala na longa viagem para o sul durante toda a historia do contato escandinavo com a Rússia, e a localidade desenvolveu-se, sendo no inicio (no século VIII) um pequeno centro mercantil, e tornando-se depois (no século X) um grande centro fortificado, com uma residência principesca e presença militar. A arqueologia de Ladoga e seus interiores proporciona valiosas indicações de qual era o tipo de gente daqueles primeiros exploradores e a natureza das suas relações com a população eslava nativa. Os testemunhos dos cemitérios de vários tipos que rodeiam a povoação indicam que, muito provavelmente, tanto as mulheres como os homens escandinavos estavam presentes em Ladoga, e isso implica uma existência mais estável e agrícola que a que aparece nas descrições que tantas vezes se fazem dos vikings russos como uma classe exclusivamente masculina de intrépidos comerciantes guerreiros. As escavações dos edifícios dentro da mesma cidade mostram como ela evoluiu nesse período, e tem muito que nos dizer sobre a natureza das primeiras atividades vikings na Rússia.
 
Saber até que ponto os vikings influenciaram a formação do Estado russo primitivo e das suas cidades é um dos aspectos mais intrigantes e polêmicos do seu papel no leste. Os escandinavos que se aventuraram e se estabeleceram no leste eram conhecidos como rus ou rhos entre as pessoas com quem entravam em contato, e há provas documentais de que eles próprios usavam este nome; os significados ou origens do termo não estão claros, mas a sua evidente relação com o nome Rússia (isto e, "a terra dos rús") é uma das razoes que leva o debate a ser tão apaixonado. O mais provável é que a palavra tenha raízes na palavra báltico-finlandesa ruotsi, que significa "suecos", mas deriva da palavra sueca rodr, que significa "uma equipe de remadores" Este termo seria um modo bastante natural para os vikings primitivos de se descrever a si próprios quando se encontravam com novos povos, dado que o seu mundo por vezes deve efetivamente ter parecido limitado para os seus pequenos barcos viajando sozinhos numa terra imensa e desconhecida. O debate sobre as origens étnicas da Rússia atual fez furor nos estudos históricos e arqueológicos durante décadas e ainda não está concluído. não obstante, a maioria dos eruditos atuais evita estender-se em generalizações com relação a um grupo étnico em particular, insistindo antes na interação e nas atividades mútuas de todos os povos ativos no Báltico Oriental: escandinavos, eslavos, bálticos e finlandeses. não há duvida de que o contato entre os escandinavos e as tribos eslavas estimulou uma troca cultural e um comercio além-mar na região, mas poucos argumentariam (como aconteceu no passado) que os vikings foram realmente responsáveis pelo estabelecimento de cidades e de cidades-estados. Antes pelo contrario, o desenvolvimento de centros mercantis fortificados que cresceram na época viking em volta das costas do Báltico da Escandinávia ate a Rússia pode ser visto como integrante de um processo europeu mais amplo de formação de Estados, relacionado com a centralização do poder e a expansão de redes comerciais e de mercados. Não obstante, de todos os povos bálticos, os escandinavos foram sem duvida os que viajaram mais longe, e a sua influência estendeu-se por todas as regiões do mundo que conheceram; a presença permanente de escandinavos na Rússia, revelada pelo cemitério de Ladoga, é só um aspecto deste processo geral mais amplo.
 
Os vikings navegaram para o sul pelo Volchov, vindos de Staraya Ladoga, e passando diante de numerosas povoações eslavas na planície irrigada, até que chegaram ao que chamaram Holmgardr ("a colônia nas ilhas"), situada na paisagem úmida da foz do lago Ilmen. Quando os primeiros escandinavos chegaram à região no principio da época viking, só havia uma pequena povoação numa ilha do sul da cidade moderna de Novgorod, conhecida então como Gorodisce. Ali as escavações revelaram um centro mercantil muito ativo, que nos séculos IX e X foi habitado por uma mistura de escandinavos e de eslavos. As suas relações comerciais estendiam-se para ocidente, onde as mercadorias manufaturadas no lugar eram transportadas em troca de artigos importados. Em meados do século X, a povoação ampliou-se ate Novgorod (que significa "nova fortaleza"), e Gorodisce parece ter permanecido como centro administrativo e militar, para além de ser residência de dois príncipes que governavam Novgorod.
 
Toda a região das ilhas e lagoas com o nome de "portas de Novgorod", que controlava o acesso do rio ao Império Bizantino e ao Califado Abássida, tornou-se o centro integrado do Estado que começou a evoluir a partir das povoações dos reis nórdicos. A capital ficava em Novgorod; as povoações-satelites, como Gorodisce e a localidade fortificada próxima de Gorodok, desempenhavam papéis específicos na estrutura politica em vias de desenvolvimento. Estava também presente um elemento religioso, do primitivo templo pagão eslavo do deus Perun numa ilha próxima de Gorodisce - talvez o centro maior e mais importante no leste - até a posterior rede de igrejas cristãs que se construíram ao longo das margens e das ilhas na nascente do rio Volchov. A riqueza e a verdadeira amplitude da base do poder de Novgorod foram demonstradas ao longo de 60 anos de escavações feitas na cidade pelos arqueólogos russos, em alguns dos lugares mais ricos que foram encontrados no mundo viking.
Novgorod era o mais setentrional dos dois centros principais de atividade escandinava na rota fluvial russa, e o segundo tinha base em Kiev (Ucrânia), que os vikings chamavam Koenugarer. A povoação cresceu nas margens do Dniepre, o rio a que os escandinavos chegavam depois de navegar para o sul a partir de Novgorod pelo Lovat, e de rebocar os seus barcos em dois curtos trechos de terra. O Dniepre se liga diretamente ao mar Negro, e dali à grande cidade de Bizâncio no Bósforo; o estreito que conduz ao Mediterrâneo ficava a uma distancia fácil de navegar.
 
Kiev desenvolveu-se de modo parecido ao de Novgorod, e no século X parece que foi governada por escandinavos, embora a população estivesse misturada com eslavos. A Primeira crônica russa, do inicio do século XII, uma das nossas fontes principais para a historia primitiva da região, afirma que a dinastia de Kiev foi fundada no século IX pelo escandinavo Rorik e passou aos seus sucessores Helgi, Ingvar e Helga, a mulher deste ultimo. A Crônica faz constra estes nomes nas suas formas eslavas: Ryurik, Oleg, Igor e Olga. Durante os séculos X e XI, os governantes de Kiev começaram a aparecer com nomes eslavos como Svjatoslav, Madimir e Jaroslav, e isso seguramente reflete uma crescente indefinição na distinção entre a população escandinava e eslava, exatamente como se viu nas colônias vikings da Inglaterra e da Normandia. A partir de meados do século X, vemos que rús é o termo corrente que designa o Estado em vias de desenvolvimento, embora a cultura esteja cada vez mais dominada pelos eslavos. Na Idade Média propriamente dita, Kiev tinha substituído Novgorod, sendo o centro do Estado russo.
 
As escavações de Kiev da época viking corroboraram de forma impressionante a evidencia das historias escritas acerca do seu desenvolvimento primitivo. As povoações cresceram em torno de três colinas. Uma delas, a Starokievskaya, tinha sido o lugar de um importante templo pagão no período pré-viking, e no século IX tinham sido construídas fortificações com estruturas de madeira nas suas encostas; havia uma ocupação secundaria nas outras colinas. Starokievskaya continuou a desempenhar uma função ritual como cemitério central da cidade em crescimento. No final do século IX e no século X, os comerciantes e artesãos estabeleceram-se em volta do sopé das colinas (a zona do Podol), e durante o reinado de Vladimir (980-1015) a cidade ainda continuou a crescer, construindo varias igrejas, que incluía a magnifica igreja de Desyatinnaya, que, acabada em 966 e construída por artesãos bizantinos, marcou o inicio de um autentico estilo de arquitetura russa.
 
Vladimir reforçou as defesas da cidade com a construção de uma cidadela fortemente defendida (o kremlin) em Starokievskaya. Ali, as escavações revelaram os restos de um extenso complexo de edifícios administrativos e de estruturas cerimoniais, com residências para os oficiais da corte, os sacerdotes e os chefes guerreiros locais. Estas eram rodeadas de habitações mais humildes, que incluíam estruturas de chão rebaixado. A atividade industrial parece ter-se limitado deliberadamente à parte baixa da cidade, separada da corte dos principes de Kiev. Kiev estendeu-se ainda mais durante o reinado de Jaroslav (1015-1054), adquirindo fortificações ainda mais sólidas. Então começou a construir-se a monumental Catedral de Santa Sofia, que ainda está de pé Muitas outras povoações dentro da região do Estado rús primitivo mostram sinais da presença escandinava. Entre elas, destacam-se a povoação e o cemitério escavados de Gnezdovo, o predecessor da atual Smolensk. Eles ficavam a meio caminho da rota de Novgorod a Kiev, no lugar onde os vikings rebocavam os seus barcos do Lovat ate o Dniepre. Ali os arqueólogos russos recuperaram muitos artefatos de tipo escandinavo, alguns deles de grande beleza e qualidade, embora predominassem os objetos eslavos. Outras povoações notáveis do rús são Pskov e Izborsk, na fronteira estoniana, cujos habitantes podem ter vindo do lago Ladoga no século X. O numero de artefatos escandinavos aumenta na Rússia a partir do final do século IX ate o século X, mas mais para leste já não se encontra nenhum, à exceção das povoações do Volga. Esta distribuição confirma de modo espantoso os limites da atividade direta dos escandinavos no Estado russo primitivo.
 
Texto de James Graham-Campbell, no livro The Viking World.